segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Clarice

Você conseguiu.
Ah.
Você sim, foi a única.
Veja o que você fez comigo. Veja, Clarice. Veja o que você fez sem piedade com toda a minha existência.
Por que é que você existe, Clarice? Por que é que você é imortal?
Como é possível?
Como é possível eu sentir falta do cheiro do fogo do seu cigarro de toda a madrugada, toda madrugada? Sinto saudade do jeito como você o segurava, com os dedos tensos com pudor e paixão e como seu polegar batia as cinzas, de como seus lábios beijavam pra fora de sua boca a fumaça. De como você sorria.
Quero que você me carregue em seu colo como você carregava sua máquina de escrever, como se fosse um filho. Com tanto amor e vida. E que me conte mais uma vez os segredos das vidas. De todas elas, pois você foi a única que conseguiu tocar o meu coração por inteiro. E nem foi de mansinho. Foi como uma bomba, uma explosão vulcânica, assim, de repente, sem piedade. Sua lava queimou meu coraçãozinho. Queimou meu cérebro, minhas entranhas, minhas veias, meu sangue.
Você foi a única que conseguiu me confundir. Bagunçou tudo. Me desiludiu.
Você foi a única que conseguiu me mostrar a realidade como ela, da forma mais simples, da beleza nessa loucura. E as pessoas te acham hermética por isso... É até engraçado. Me alienou para que eu pudesse ver o mundo de outra forma, porque esse era seu prazer. Daquela forma que só você sabe ver e que você confiou que eu, apenas eu, pudesse enxergar. E eu consigo.
Clarice, tenho raiva de você. Esse seu jeito me dá raiva. Sua beleza me dá raiva. Seus olhos me dão raiva. Sua calma me dá raiva. Sua raiva me dá raiva. Seu olhar me deixa possessa! Sua simplicidade me deixa louca. Essa tal complexidade me dá vontade de cortar os pulsos com uma colher de pau. Mas eu não tenho a mínima coragem de te mandar embora, de te dar, de te fechar.
Você me hipnotiza, você me entende. Você me consola, Clarice.
Me jogue na dor novamente, Clarice. Me jogue dentro de mim, mas uma vez, para eu encontrar as respostas e me perder. Eu amo o jeito que você me indica o caminho da loucura. Apaixone-me pela loucura mais uma vez. Eu amo me perder! Desse jeito, eu amo ser louca!
Me faça, me obrigue a questionar. Fique apenas parada. Apenas olhe para mim daquele jeito que você sempre olha quando discutimos, quando nossos gritos saem sem por querer e quebram tudo e, mais uma vez, me faça chorar, pedindo perdão. Faça eu me arrastar aos seus pés mais uma vez.
Mas minha timidez ainda vai ousar em questionar se é possível ter raiva de alguém que se quer. Você sabe que é.
Por que é que você teve de ir? Por que? Por que você me abandonou, sozinha, sem resposta alguma para o fim? Por que é que você me faz questionar até mesmo Deus por causa disso?
Tenho muita raiva de você. Muita.
Mas não sou mais capaz de te abandonar. Não sou.
Você é má, Clarice. Você estragou toda ilusão do ser. Você me faz buscar pelos mistérios mais profundos e me desafia a desvendá-los.
Obrigada por isso, Clarice. Obrigada por tudo.
Eu te amo, Clarice. Eu te amo.

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