domingo, 6 de abril de 2014

O que a água lhe deu

Entrou então no banheiro, fechou a porta silenciosamente. Trancou-a, tentando fazer o mínimo ruído possível. Tudo o que não queria naquele momento era ser ouvida.
Apenas depois, bem depois...
Recostou-se na porta. Inspiração funda.

Sorriu. Ironicamente. Uma lágrima brotou em seu olho esquerdo e escorreu molhando seu rosto.
Água.
-Também é água... - murmurou sozinha.
Era feita de mais ou menos 70% de água, diziam aqueles livros na biblioteca. Isso poderia explicar a razão pela qual ela se sentia tão afogada em si mesma?
Mais uma inspiração profunda. Agora para terminar de tomar coragem.
Sim, pois o medo também era um instinto. Mas como podia temer algo tão óbvio e simples?
Tudo era tão assustador e absurdamente simples. Teme-se a simplicidade pois temos medo. O medo nos complica para fugirmos da simplicidade. O pior medo é aquele do desconhecido. E era apenas para isso que queria caminhar: para o desconhecido.
Ela era simples e desconhecida. Era mais funda do que pensava ser.

A água era a origem da vida, onde tudo havia começado, dizia a Ciência. Não sabia de onde vinha e tinha perdido a noção de para onde estava indo. Estava sendo apenas levada por uma correnteza e havia se cansado de nadar contra ela. Não via mais sentido em tentar continuar.
Da água vieste, para a água voltará.
Felicidade e tristeza também seriam instintos?
Buscava agora apenas sua origem. Queria respostas.
Mas queria, acima de tudo, como sempre fizera em sua vida, testar os limites.
No fundo, não queria nada daquilo, mas achou plausível a saída mais simples, porque isso também é um instinto: a fuga.
Seria simples, e a decisão estava tomada, mas queria fugir. Evitou olhar para a enchente atrás de si.

Caminhou lentamente até a velha banheira de porcelana já amarelada. Tapou o ralo. Abriu a torneira em um rangido seco do metal.
A água fazia um estrondo em contato com a porcelana, como uma explosão. Observava-a encher. Era tudo que restava fazer. E conforme ia enchendo, ia se calando lentamente até o calmo som de água tocando a si mesma.
Queria até a última gota possível de caber ali.

Foi tirando sua camiseta branca. A calça velha. As roupas íntimas escorreram por suas pernas e caíram aos seus pés. Jogou-as num canto do banheiro gelado. Nua, sentiu um arrepio correr sua pele pelo frio.

O frio dava pontadas em seus ossos. Nua, completamente nua. Do jeito humilde e único que viera ao mundo. O fim do ciclo, como veio, queria voltar. Dirigiu-se com os pés descalços nos azulejos frios até o grande espelho. Olhou-se de soslaio. Sua pele pálida, o cabelo um pouco desgrenhado, os olhos inchados, abraçava-se, escondendo-se de si mesma. O barulho contido das águas era tudo o que ouvia.
Ainda não tinha conseguido definir se aquela era sua atitude de maior covardia ou de maior coragem...

Sem resposta, foi distraída pelo silêncio da água na banheira. O mesmo som de pequenas explosões. Rapidamente fechou a torneira.
Estava cheia até a borda.
Prestes a transbordar.
Na verdade já estava transbordada. Estava inundada. Não conseguia mais fugir, ilhada. Doía não ter mais fôlego.
Sentou na borda da banheira. Observou o vapor quente que levitava lentamente. A leve bruma que turvava toda a sua visão. Olhou a si mesma, agora refletida  na água. Aproximou-se mais de sua imagem. De si mesma. Viu-se refletida em suas próprias pupilas aquosas e narcisísticas, incolores no reflexo. Olhou fixamente para si, quase contemplando-se. No espelho da água, se viu condenada a viver consigo mesma, viu seu castigo: mergulhar em si mesma.

Coragem ou covardia?

Coragem ou covardia?

Coragem ou covardia?

Entrou  na banheira, primeiro uma perna, depois a outra. Devido ao seu volume, um pouco da água esparramou-se pelas bordas e, num estalo, espatifou-se no chão em um barulho sólido. Ficou imóvel, até a água aquietar-se e a tremulação sumir e para que uma superfície perfeitamente lisa fosse sintetizada.
Mais lágrimas esparramaram-se para fora de seu rosto. Chorou. Quase uma cachoeira. Dura, imaleável, soluçando deixou que uma daquelas lágrimas escorresse lentamente e, em forma de gota, caísse na superfície lisa. Ondas circulares se formaram deformando o reflexo do seu rosto. Chorou por um bom tempo em um ato de purificação interior. Sentia do sabor salgado da sua sujeira quando as lágrimas escorriam pelas curvas do seu resto e tocavam a sua boca. Engasgou com a água de suas próprias lágrimas. Chorou até extravasar. Chorou até seu abdômen doer e seus olhos arderem, até perder suas forças em nome de sua pureza, até perder o fôlego e sentir seu corpo entorpecido dentro da água e parar por medo de transbordar a banheira...

Aquietou-se depois do expurgo. O calor era transmitido lentamente das moléculas de água para seu corpo gelado em uma sensação de prazer. Sentiu-se acolhida, amada. Quase mais uma vez no ventre de sua mãe flutuando infinitamente no líquido amniótico. Fechou os olhos e recostou-se. Por alguns minutos ficou sem se mover. Apenas o fluxo do calor e de seus pensamento se movia. Sua respiração soluçava ainda em um resquício do choro purificador. O movimento de seus pensamentos fazia seus sentimentos corressem como um rio subterrâneo dentro de si. A pulsação ia baixando lentamente. Era possível fazer um rio parar de correr... Lembrou-se naquele momento de quando alguém lhe contara sobre os rios, que, mesmo se eles fossem represados com aquelas barreiras gigantescas de concreto, o seu curso original do continuava perfeitamente intacto sob as águas estagnadas.
Ela simplesmente não podia acreditar. Como era possível? No fim das contas, a essência não poderia ser perdida. Ela sabia que não ia ser esquecida. Não ia mais ser esquecida. No fundo, ela tinha a certeza de que fazia aquilo apenas para ser lembrada... Melhor, para lembrar-se.

Tão triste e angustiada, afundou-se com os olhos cerrados. Estava na hora de ser rebatizada por sua própria escolha. Precisava daquilo, a única coisa que a água poderia lhe dar: a purificação. Seu corpo pequeno cabia estirado no fundo na banheira. Afundou-o rapidamente sob as águas. Sufocou rapidamente sua respiração e começou a sentir a pressão. E ficou ali, imóvel, na quietude. Não ouvia barulho algum. Esperou.

Só podia esperar. Aquietou-se dentro de si, porque a superfície estava hiperativa demais. Tentava não lutar contra a situação, mas era impossível, tentava concentrar-se e não sentir o incômodo de não respirar. Cobrou-se todas as forças para lutar. Seu corpo queria sair dali. Mesmo imóvel, dentro de si utilizava-se todas as suas garras para simplesmente prevenir uma única respiração que fosse. Não era sua escolha fazer isso. Sentia o incômodo de não estar em seu ambiente natural.
Era justamente contra isso que lutava, contra si mesma. Tudo o que ouvia era sua própria pulsação cada vez mais vigorosa. A necessidade. Era uma necessidade: ela precisava respirar. Precisava. Precisava.  Precisava.  Precisava.  Precisava.  Precisava.  Precisava.  Precisava.  Precisava.  Precisava.  Precisava. Seu corpo gritava. Os punhos cerrados e ela os negava. Não. Dominava seu instinto de respirar. Não, não era isso que ela queria. Seu músculos travavam sozinhos. Não!    

Aguentava a luta contra a água. Sentia a força de si, uma força primordial, inconsciente. Sentia tudo dentro de si querendo sair. Um instinto. A maior força existente dentro de um ser vivo, era o que o fazia vivo. NÃO! - gritava no silêncio submerso de sua mente. Negava seu instinto.

Não sentia mais seu corpo tocar a superfície da banheira. Submersa em si, lutava, pois era aquilo que a água que a submergia lhe dava: a vontade de respirar.
Por consequência a vontade instintiva de viver. Ela queria o mais simples sentido da vida: o prazer de estar viva. Novamente. Não queria mais saber se era covarde ou corajosa. Não, não era isso que importava no fim das contas. Queria apenas voltar ao seu ser primordial, ao prazer e a dor de sua primeira respiração no trauma do nascimento. Não sabia se aquela atitude era boa, má, bobagem ou bela, tudo o que ela queria, no fim das contas, era resgatar-se.

Não sabia quanto tempo já estava lá em baixo. Cada vez o instinto a instigava. Física e mentalmente. A beleza do instinto que lhe obrigava a ter vontade de viver. Ela realmente achava isso lindo... Desde Aristóteles, Thales de Mileto, a Bíblia, o Alcorão, a água era o elemento primordial. A grandeza da água, e ao mesmo tempo sua leveza e sua fluidez. Um rio não banha o mesmo homem duas vezes. Um homem não é banhado pelo mesmo rio duas vezes.

E então, já sem quase em seu último impulso abriu os olhos. Viu todas as imagens desfiguradas do teto branco que parecia se afastar. Já estava sufocada, esmagada, asfixiada. Mesmo sentido seu corpo já indelével e fragilizado como se todo um oceano recaísse sobre si, ele ainda gritava que precisava respirar. Urrava. A garganta dava um nó, o peito prestes a explodir, oprimida, sentia sua matéria flutuar em uma estranha sensação de tontura. Como a angústia. Não sentia mais acima ou abaixo, flutuava no infinito, entorpecida.

O fim. Os olhos já se fechando sem o consentimento, o corpo insensível e a alma ascendendo. Só tinha mais um ato a realizar. Como sua última vontade, elevou os braços acima do corpo para a superfície como uma conduta de glorificação. Sentiu o frio e a água escorrer por sua pele aquecida, sentiu os pelos arrepiarem-se. Sentiu mais uma vez a intensidade da vida. Agradeceu a si mesma e sentiu que havia se vencido.

Sem firmeza muscular, seus braços desabaram pesadamente para as bordas da banheira. Constatou pela dor o mundo natural. Cravou as unhas nas bordas.
E pela força do instinto de inspirar, ergueu-se majestosamente à superfície. Provocando uma grande onda, imergiu suntuosa derrubando litros de água no chão em uma grande explosão num urro magnífico de uma expiração poderosa.

Tossindo, afogada com pequenas gotas, notava que uma grande onda de prazer percorria seu corpo fazendo cada molécula pulsar intensamente enquanto soltava outro urro em uma inspiração. Inspirou purificada. O mais fundo que pôde, sentindo o prazer inconsciente de respirar, a satisfação de suas narinas e de seus pulmões em fazê-lo. Não, não era de fato algo que podia controlar, isso era biologicamente óbvio. O mistério era de agradar um instinto. Como a satisfação do instinto pode ser prazerosa? Como a respiração pode ser tão absurdamente prazerosa?
Era tão absurdamente simples e prazerosa. Inspirou e respirou, primeiro desesperada. Clamava por ar desesperadamente, precisava satisfazer-se de vida. O tórax movimenta-se em descompasso,  produzindo respirações mais curtas e outras por vez mais longas, tudo para lhe provar que não estava mais afogada. Tossia e expurgava.

O ar seco provocava dores em suas narinas, como se elas estivessem sendo cutucadas por pequenas agulhas flamejantes, a mesma dor de um rebento ao ser parido, sentia o susto de ter renascido. Espirrava, inspirava e expirava. O gozo de uma inspiração satisfatória e profunda conforme cada célula de seu corpo pedia. Satisfeita, expirava. Sentia agora o carinho do ar subir suas narinas e sumir nos pulmões e então reaparecer misteriosamente de volta a elas, agora aquecido. O atordoamento ia passando aos poucos pela oxigenação. Tudo voltava a fazer sentido. A visão voltava a dar formas as coisas e ela conseguia observa-las. Seus sentidos se aguçavam.

Sua respiração ia acalmando-se aos poucos. Sentia-se bem. Sentia-se pura. Deitou seu corpo vivo sob as águas mais uma vez, deixando apenas seu rosto umedecido por pequenas gotículas de vapor para fora. Ele flutuava leve, quase navegava em calmaria na banheira. Ouvia dentro de seus próprios ouvidos o ruído árido do ar dentro de seu próprio corpo. Via a onda que o movimento de seu abdômen provocava sobre a água. Viva. Os fluídos dos seus pensamentos flutuavam leves e puros. O pequeno prazer de estar viva.

Água era vida. Chorava, mas dessa vez era de felicidade. Sorria. Expurgara o medo de si com aquela água quase benta. Testara-se e vencera. Não afogara-se e não se afogaria mais em si mesma porque havia reconhecido sua força, esse poder instintivo de simplesmente respirar. E essa era a sensação de vencer-se: sentia-se imortal. Quase havia se esquecido do quão belo era estar viva, ter um corpo, uma alma e o simples ato de respirar.
Sentia-se viva.

sábado, 22 de março de 2014

Carta aberta à Solidão

Cara Solidão,

Eu gosto de estar junto. Mas, no fundo, no fundo, eu gosto mesmo é de estar sozinha.
Talvez, no fim das contas, não seja você quem me machuque. Sozinhos todos somos. No fim das contas aquela história de que nascemos e morremos sozinhos é verdadeira.
Você, Solidão, no fim das contas, é a única companheira de cada ser humano. A única que, mesmo se formos abandonados, você não nos abandona. Tenho a ti. O quão paradoxal é isso, cara amiga?

Solidão, você sempre me foi extremamente fiel. Uma sempre tão boa amiga... No prazer dos momentos fáceis nos quais liguei meu rádio no silêncio da sala e dançamos juntas por horas e horas até nos cansarmos. No desprazer das noites mais tristes, na companhia sua e do travesseiro vocês secaram minhas lágrimas.

Na verdade, venho por meio desta, pedir-lhe as mais imensas desculpas por todas as vezes que fui injusta contigo ao culpá-la por muitas de minhas tristezas. Na verdade, você não é a culpada de nada. Você é apenas uma consequência de quem te causa.
Mas, devo ser justa, amiga minha. Às vezes você é cruel. Isso acontece quando eu não te convido para entrar, quando você não é uma escolha. Então você, meio folgada, já vai entrando lentamente pelas frestas das minhas portas e janelas, e deixando as paredes e o chão cada vez maiores e mais frios. É aí quando tento fugir de mim, mas não consigo. Não encontro mais ninguém senão eu mesma e minha mediocridade.  Não sei exatamente como, mas você muda toda a acústica dos cômodos para que minha voz faça eco e eu possa ouvir a mim mesma e perceber o quanto sou ridícula...

Solidão, você não me causa a impressão de estar só, mas sim a sensação de que não sou importante para ninguém. Você faz com que eu me sinta indiferenciada. Você deve ficar meio acabrunhada porque eu não te quis, por isso, como vingança você me faz desimportante. Por isso tenho a sensação de inexistência. Você me isola do mundo, e me rouba só para você, o que é bastante egoísta da sua parte... O seu paradoxal silêncio maléfico que faz tanto barulho. Isso é bem maligno da sua parte, devo dizer na sinceridade da nossa amizade de tantos e tantos anos.

Mas, querida, você tem lá suas vantagens se eu sei como te usar quando concordarmos em fazermos companhia uma para outra numa tarde chuvosa. Você foi quem mais contribuiu para meu aprendizado. É quando estou sozinha que consigo parar, pensar e entender as coisas. É no silêncio que conversamos e você me aconselha com sua sabedoria transparente. É na solidão que eu digo a mim mesma o indizível pelo seu sopro de Verdade. É no escuro do quarto, no canto da cama que posso assumir a mim mesma minhas dores depois de já estar cansada de negar suas existências para o mundo ao redor. É com você que choro até me engasgar e minha mandíbula doer. Ao poder dizer isso a alguém (no caso você) sei que não serei julgada, comentada, apontada, crucificada, amada ou odiada por alguém a não ser por mim mesma. E isso cura, porque depois não é tão difícil dizer ao resto da realidade o que está acontecendo.

Isso sem contar aquela velha história do "amor-próprio". Foi com você, na sua presença, que aprendi a ser feliz comigo mesma. Se sabemos ser felizes com nós mesmos então saberemos ser felizes com qualquer outra pessoa. É na sua presença que eu vivo uma liberdade única. Solitária, eu posso fazer o que quiser, posso me libertar. Só consigo ser eu mesma de uma forma perfeita com você e mais ninguém. Creio eu que o único momento em que um ser humano é ele mesmo plenamente é quando ele está sozinho. É aí que somos o que queremos e podemos ser.  

Nossa amiga em comum, Clarice, diz que "sim, minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas pois eu também sou o escuro da noite." Nós também somos. É sua onipresença que me encanta, no claro das noites e no escuro dos dias. E essa é a única prova que eu tenho de que somos eternas e infinitas.É na solidão de ti que te escrevo. No meio de tantos anônimos por aqui, você ainda é o único rosto conhecido que me resta. Ao olhar-me no espelho te vejo sempre.  No meio de todos aqueles idiotas, você era a única que me compreendia como eu mesma.
Quando estou solitária e acabo por ser minha única companhia, você sou eu, e eu sou você.

Porque no final não me resta nada a não ser eu contra mim mesma. E você também, junto a mim, claro!

Obrigada por tudo, querida amiga.
Obrigada!
Sou minha.

Da sua,

M.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Eu existo!

Não sou política, mas sim poética;
Não sou protocolar, mas sim pessoal;
Não sou apenas uma presença, mas sim uma paixão;
Não sou perfeita, mas sim preocupada;
Não sou ponderada, mas sim polêmica;
Eu persisto;
Eu existo!

terça-feira, 10 de setembro de 2013

A mudança

Estou no meio.

No meio de uma mudança.
Eu já devia de ser forte, mas ainda sinto-me frágil como uma criança.
O incômodo infindável de não conseguir se acostumar com o que trás uma transformação não planejada. Paradoxalmente como uma velha apegada.

Estou no meio.

Eu não sei lidar, não sei ao certo como jogar.
Sinto tanta culpa e ao mesmo tempo feita de tolo.
Perdi o controle.
Eu não sei nem ser firme, nem ser frágil. Nem ser esperta, nem inocente.

Estou no meio.

O meio é o olho do furacão.
Deve-se ser a mudança que se quer ver.
Não sei ser o que realmente devo ser.
Se é que devo de ser...

Estou no meio.

A mudança inesperada é o princípio da dúvida.
Que devo eu fazer com o destino novo em minhas mãos?
Tenho apenas duas
E todo o medo do mundo....

Estou no meio.

Olho o passado tentando buscar respostas para o presente.
Tento olhar o futuro para buscar esperanças para o presente.
Mas nada consigo enxergar na bagunça das caixas e de tudo o que mais amo empacotado
Pois não quero deixar nada que estimo para trás.

Estou no meio.

Fica a saudade.
Um apego confortável a realidade.
Se até as estações mudam,
Como eu não consigo mudar?

Estou no meio.

Se tudo é novo
Como vou saber em que devo confiar?
Deus? Mãe? Freud?
Drogas psicotrópicas para amortecer e acalmar?

Estou no meio.

A trajetória até o fim da mudança
É confusa e sofrida.
Devo libertar quase tudo que acredito
Para resignar-me ao que o orgulho não me deixa ver.

Estou no meio.

Nada permanece, exceto a mudança.
Tudo muda nesse mundo.
Mudança é progresso
E o inteligente é aquele que sabe adaptar-se a elas.

Estou no meio.

Temem que as coisas nunca mudem.
Eu confesso que temo a mudança.
Tudo mudou.
Menos eu, que não consigo fazê-lo.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Sobre homens e ratos

...E então ele levantou-se lentamente e veio em minha direção.
Senti-me contraído por todos meus músculos.
E então ele olhou nos meus olhos, com raiva, desafiando-me, e perguntou de forma ameçadora:
- Você é um homem ou um rato?
Ratos não correm em diagonal, vão rápidos e faceiros pelos cantos do cômodo, amedrontados, pelos rodapés das paredes...
Eu sabia que era o mais fraco de todos ali presentes, isso era evidente. O menor. O sem-coragem. Mas eu era tanto assim ao ponto de ser taxado de rato?
Sim. E fiquei indignado por ser visto assim. Ora, eu não era tão ruim assim...!
Mas, pela primeira vez, passei a considerar a hipótese de eu ser um homem.
Quiçá eu não fosse mesmo?

Então, estufei meu peitinho infantil e magro e bradei:
- Um homem!
Fiz isso o mais rápido que pude para que ele não percebesse que eu tinha parado para pensar na resposta. Mas não olhei nos olhos de ninguém ao redor quando o respondi. Ainda sentia-me tenso. Tive medo que eles percebessem que eu poderia estar mentindo...
Eu estaria de fato mentindo?
Para eles ou para mim mesmo?
O medo me abateu novamente e senti-me um rato.
Eu era um homem ali engaiolado correndo numa rodinha de metal? Correndo sem sair do lugar...

Ainda em pose de coragem e com uma sobrancelha arqueada para dar mais ênfase de caricatura na minha resposta, desviei minha visão para poder ver os olhos que me encaravam naquele momento.
Percebi que de certa forma, eles acreditavam em mim.
E eu acreditei que seria muito mais do que eu merecia.
Mais do que eu acreditava em mim propriamente.

Talvez olhassem para o meu futuro e profetizavam-me como homem.
Teria o intuito daquela pergunta me provocar? Aquelas coisas de psicologia reversa... Me motivar por meio de uma provocação para que provasse para ele que eu não era rato coisa nenhuma.
De certa forma, deu certo. Quem quer ser um rato?

Era eu mais complexo que um rato? Poderia ter eu a concepção de ser um ser racional? Construí as pirâmides do Egito e a Grande Muralha da China. Toda a minha força, minha vontade, minha coragem que eu ainda poderia desdobrar a dominar o mundo como um deus... Não sabeis que sois deuses? Um espírito infinito? Imortal!
Estufei meu peito agora como se fosse Hércules! O poder e a força dos Homens passadas por todas as eras para que eu possuísse-as!

Estava quase me sentido um pregador do Antropocentrismo quando percebi.

O homem tem medo de rato. Musofobia. Minha divindade acabou-se repentinamente.
Era eu então um rato. E dos bons.

De fato, eu tinha um certo medo de ratos...

Eu detinha a força, mas não sabia como usá-la. Toda a inteligência e a esperteza pode ser derrubada rapidamente pelo golpe mais simples e baixo.

O medo. Mais primitiva e animalesca parte de mim.

Um grande rato eu era? Um pequeno homem?

-O que é que foi? Por que esse silêncio? ME RESPONDE!
Desviei meus olhos para o chão, consciente de minha situação:
-Todo homem é rato. - disse.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Um dia ruim

Nada como uma fim de tarde de quarta-feira
com uma chuva gélida caindo nas costas.

Já não basta ter esquecido o guarda-chuva em casa,
o grande ônibus precisa passar pela poça d'água na sarjeta
e me molhar inteiro...

terça-feira, 9 de abril de 2013

Sentimento do mundo grande

(em homenagem à Drummond)

Cheguei aqui tendo apenas duas mãos
e o sentimento do mundo.
O mundo meu.
Mas hoje, ainda aqui,
vejo que o mundo não é meu,
não, meu coração não é maior que o mundo,
É muito menor.
E eu preciso de alguém
para ir de mãos dadas.