Fazia um pouco de frio, mas só um pouco. O cobertor cobria-me até o pescoço.
Em minha companhia, apenas o estranho barulho da minha digestão. Não havia mais nenhum outro barulho em mim. Nem sequer uma música com letra irritante e repetitiva.
Apenas o silêncio que me fazia ouvir o barulho do ar sendo deslocado pelos carros em alta velocidade em uma rua ao longe. Mas isso longe, bem longe. Longe mesmo.
Eu não me movia. Fiquei ali, simplesmente intacta. Os impulsos nervosos pareciam não existir. Não conseguia ouvir nem a minha própria respiração, de tão quase ausente que ela estava. Respirava (respirava?), eu, levemente, não sentia meus pulmões inflarem, nem o ar entrar ou sair pelas narinas. Não sentia o movimento do meu ventre empurrando a superfície.
Eu não sentia nada.
Um corpo que está imóvel tende a permanecer imóvel.
Entrelacei meus dedos. Não senti minha própria força nem o toque dos meus dedos. Nem meu próprio toque. Então soltei-os.
Abri meus olhos, e mesmo assim, tudo estava escuro. Fechei meus olhos e tudo continuou existindo escuro. Na verdade, nada estava existindo ali. Na verdade, tudo continuava a existir, menos eu. Continuei olhando para o teto.
Não conseguia pensar em nada. Associações livres sem sentido e sem graça. Não estava conseguindo nem sequer criar alguma coisa divertida, para que eu pudesse pensar com um cérebro endurecido. Meus pensamentos não conseguiam sair dali.
Constatei, milagrosamente, que nada fazia sentido ali. Lembre-me então que se eu repetisse uma palavra várias vezes ela também perderia o sentido. Pensei em uma colher.
Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher.
E a "colher" não perdia sentido. Continuei insistindo, colher, colher, colher, colher, colher, mas não adiantava. Até a colher me fazia sentido e eu não.
Questionei-me por que eu havia pensado em uma colher, afinal. Quanto mais eu pensava em um sentido, quanto mais eu tentava analisar minuciosamente cada existência do que quer que fosse naquele cômodo, menos sentido fazia. Não havia lógica nenhuma que convencesse meu raciocínio.
Sentido, sentido, sentido. "Sentido" não fazia mais sentido.
Nada fazia sentido, tudo não fazia sentido.
Olhei as horas no relógio de cabeceira. Zero-zero e vinte quatro. Zero-zero e vinte cinco. Zero-zero e vinte seis. Sete, oito, nove... mil. Contei até mil.
Continuava sem sono. Continuava esperando uma resposta. Mas qual era mesmo a pergunta?
O teto era pouco interessante e as paredes pouco inspiradoras. Eu estava me sentindo bem? Ou isso era sentir-se mal? Realmente, eu estava sentindo alguma porcaria?
Não estar sentindo nada, era, afinal, sentir alguma coisa? Porque, mesmo que eu não estivesse sentindo nada, era sentir alguma coisa sentir nada.
Será que eu ainda estou viva?, perguntei-me e não soube responder.
Olhei as horas mais uma vez. Uma e pouco. Pelo menos alguma coisa havia se movimentado nesse meio tempo: o tempo.
Tudo se apagou.
Abri meus olhos, surpresa pelo fato de abri-los. Não havia percebido em que momento os fechara. Tentei buscar na falha memória minha onde é que eu estava. Em verdade, eu só havia percebido que tudo estava apagado, que eu estava apagada quando acendi. Cochilei?
Ou deixei de existir por alguns minutos?
Dei-me conta, então, que eu havia conseguido não sentir nada, mas sim o Nada, porque eu estava vazia.
Eu tinha conseguido sentir. SENTI!
E então, aconteceu de repente, entre um segundo de descoberta e outro, totalmente imprevisível.
Assustei-me.
Um ronco molhado ribombou em meu estômago. Senti algo estranho, como se ele estivesse se espremendo em si mesmo. Senti! SENTI! Eu havia conseguido sentir algo! Sorri alegremente.
Imobilizei-me por mais alguns segundos para ver se conseguiria sentir de novo. E consegui! O estranho órgão retorceu-se de novo e, dessa vez, ainda senti um gosto amargo e azedo em minha boca. Respirei fundo.
Senti-me, então, feliz. Tão feliz! Tão plena e tão lógica. Tão viva, sim, havia conseguido a confirmação: eu estava viva. Jamais esperaria que algo assim ocorresse, mas já que ocorreu, fiquei resplandescente em acatar tal acontecimento. Fui libertada daquela inércia. Tudo reviveu em mim. Um arrepio. Um sorriso. Eu conseguia sentir, e repentina e surpreendentemente, tudo voltou a fazer sentido.
Estava tendo uma epifania. Senti uma dor em minha barriga. Um pedido, um instinto, eu não estava extinta, ele dizia. Senti vida, passado, presente, futuro.
Olhei para o relógio ainda mais uma vez e não me importava de maneira alguma que horas eram. Me descobri, sentia calor!
Conseguia ouvir aquele barulho maravilhoso dentro de mim.
Fui ressuscitada, o ar me inspirava! Levantei-me corajosamente. Precisava de uma colher, rápido, iria comer uma fatia daquele resto de bolo na geladeira.
Eu sentia! E que maravilhosa sensação!
Sentia fome.
Nenhum comentário:
Postar um comentário