terça-feira, 25 de setembro de 2012

Gauche

Quando nasci, um anjo reto
Desses que vivem na luz
Disse: Vai, menina! É aquele ali que vai te cuidar...

E apontou pra um outro anjo
Ali ao lado,
Que voava meio torto
Porque tinha uma asa meio machucada
E umas penas faltando,
Mas eram asas gigantescas!

Tinha um sorriso debochado
E uma alegria no olhar
Como se já soubesse tudo da vida
E da minha vida.

Talvez, de fato, ele soubesse...
Talvez ele não soubesse de nada...

Ele não era do padrão típico de anjo
Isso eu já sabia.
Mas ele me passou tanta confiança...
Foi então que ele me confessou com muita sinceridade:
- Vem, menina!
E eu fui. Ele continuou:
- Quando eu nasci uma vez, um anjo torto
Desses que vivem na sombra
Disse: - Vai! ser gauche na vida.

Continuei observando-o sem entender muita coisa.
- Eu estou aqui - continuou ele - pra te ajudar
Porque você também vai ser gauche na vida.

Então eu perguntei:
-Quer dizer então que eu vou ser poeta também?
Então ele respondeu:
-Sim!

Ele me disse para não ser poeta de um mundo caduco
E para também não cantar o futuro
E para considerar a enorme realidade.

Fiquei muito assustada no começo.
Mas logo passou
Porque o tal anjo pegou minha mão e me levantou:
-Vamos de mãos dadas!


sábado, 22 de setembro de 2012

Curiosidades

Padeço de curiosidade. Tenho sempre de ir e ver com meus próprios olhos e nada mais.
Questiono-me devido a esse fato:
- Sou uma daquelas eternas aprendizes
OU
- Sou uma completa idiota?

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Os mortos-vivos

Deitam a cabeça cheia de pensamentos no travesseiro. Não conseguem se concentrar para o sono e o descanso. Depois de inúteis tentativas e uma luta invencível contra as angústias, levantam-se e entregam-se ao pequeno comprimido. Droga com bula.
Conseguem enfim dormir. Os sonhos são confusos, ansiosos, nervosos. Não há descanso de fato.
Eles não se dão descanso.
Acordam com o despertador estridente em sua orelha. Por apenas alguns segundos tem paz. Não estão completamente conscientes nem memorados. O cérebro vai adaptando-se lentamente à claridade fraca.
Os olhos abrem-se por completo. Recordam-se.
E então tudo volta. Tudo.
As angústias, os nervos, as ansiedades. Suspiram melancólicos. Sentem certa vontade de chorar. Tudo começa a rodar novamente em suas cabeças.
O coração ainda bate, o oxigênio ainda entra por suas narinas. Mas não desejam sair dessa cama.
Estão mortos.
Levantam-se sem vontade. Não tem sequer curiosidade para saber o que pode ocorrer, o que pode mudar.
Cumprem as primeiras tarefas do dia mecanicamente. Não dão atenção ao que fazem, estão ali em seu corpo maduro, mas com os pensamentos apodrecidos. Os líquidos transbordam, deixam-se queimar, as louças se partem no chão.
Estão eles, na verdade, partidos. Frustrados, limpam a sujeira.
Andam pelas ruas como mortos-vivos. Os olhares inexpressivos, perdidos em sua própria malha de pensamentos confusos. Inconformam-se com o fato de ninguém ali, nenhum daqueles desconhecidos poder ajuda-los. Sentem inveja dos que estão felizes e sorrindo. Sentem raiva de casais apaixonados. Sentem nojo de todo o resto. Despresam a si mesmos.
Eles querem ajuda. Mas não fazem a mínima ideia de como pedir. Nem que é possível pedir...
Perdem-se facilmente em suas questões. Não sabem como resolvê-las. Ou sabem, na maioria das vezes sabem, mas não o querem fazer.
Por medo, por pena, por preguiça, por orgulho, por apego, por raiva...
Alimentam-se dessa situação. E vão perdendo a Vida por isso.
Morrem, mas ao invés de serem elevados são rechaçados cada vez mais fundo em si mesmos.
Estão perdidos neles mesmos.
Fazem de tudo para não demonstrar. Utilizam-se de suas últimas forças, que seja, mas não! As olheiras, os glóbulos inchados... Nada é pretexto.
Relembram com pesar das felicidades do passado. Têm raiva do fato de já terem sido felizes um dia... Apegam-se às memórias, transformam-na em irrealidade, moldam para que sejam perfeitas. E torturam-se com a incapacidade que acreditam ter de recuperar o sentir feliz mais uma vez. Tentam se matar assim. Choram ao lembrar que não são mais felizes.
Queriam apenas deixar seu corpo em algum lugar e descansar. O maior desejo é poderem livrarem-se deles mesmos. Porque, no fundo, eles sabem que são os culpados. Os únicos. Mas não assumem isso. Nem secretamente dentro de suas mentes, em seus pesamentos mais obscuros, nas verdades mais hediondas.
Por isso fogem. A fuga os torna mortos-vivos.
Sonham com o fim do Fim. Em outras palavras, desejam apenas que tudo acabe. Apenas acabe silenciosamente. Sabem que se conseguirem surtar ficarão bem. Mas essa é uma ousadia muito grande, não há previsibilidade do que pode ocorrer...
Sabem que a mudança é necessária, e sabem também que ela não deve partir deles. Sabem que precisam morrer para renascer pois o fim lhes trará algo novo. Entretanto preferem esse sobrevida, esse umbral, esse meio. Sem um passo para frente nem outro para trás. Rolam na sujeira.
E mais uma vez, fogem.
É instintivo tentar fugir daquilo que pode mata-los.
E deitam mais uma vez a cabeça cheia de pensamentos.  Não conseguem se concentrar para o sono e o descanso. Depois de inúteis tentativas e uma luta invencível contra as angústias, levantam-se e entregam-se ao pequeno comprimido. Sabem que no dia seguinte será a mesma coisa.
Dormem e acordam do mesmo jeito, com o mesmo peso.
Não sentem mais a esperança. Por isso estão mortos. Mas no fundo, ainda querem se salvar.
Mas fogem. Por isso ainda estão vivos.






segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Amor em SP

Ele andava distraído. Os pensamentos e os pés automáticos. Seu coração também batia. Automaticamente.Dez milhões de corações também batiam juntos naquele momento. Num mesmo compasso, aparentemente tão diferentes, mas, no fundo, todos iguais.
Ele era, na verdade, diferente de todos aqueles. Único. Não era igual a mais ninguém. Mas único como todos os outros. Só mais um entre os outros. Inigualável como qualquer outro. Sozinho, da mesma forma que os outros. Todos ali viviam na mesma solidão. Uma solidão fazendo companhia para a outra. Todos ali tão sós e tão juntos. De certa forma, era uma forma de amor dentre estes.
Ele estava sozinho.
Equilibrava-se sozinho. Os dedos quase roxos, a cabeça nas nuvens e os pés no chão. Já estava um tanto irritado. A próxima estação era a Sé. Ele foi desacelerando, desacelerando...
Parou. As portas abriram e alguns usuários do metrô saíram. Suspirou e voltou a respirar, aliviado. Olhou para trás, para ver quem iria entrar. As portas abriram novamente. E então, ela entrou. Anônima. Linda.
O cabelo curto e prático, os olhos castanhos e sonolentos. Uma bolsa, uma sacola, uns livros e o casaco nos braços. Apressada. Cansada. Compenetrada em sua solidão dos os fones de ouvido.  No entanto, trazia um leve sorriso no olhar, pois estava ouvindo uma música que aparentemente gostava muito.  
O vagão e seu coração aceleraram. Numa repentina falta de equilíbrio, por ela e pelo movimento, ele agarrou-se rapidamente ao amor para não cair.
Ela era tão linda!
Ele não conseguia tirar os olhos dela. Como ela devia se chamar? Com o que ela trabalhava? Qual sua comida favorita? O que estaria lendo?
Seu coração batia num ritmo diferente dos demais ali. Estava acelerado.
A expressão abobalhada. As pernas trêmulas. Sorriu inconscientemente.
Nesse exato momento, o Destino fez com o que ela olhasse para frente. E por acaso era ele quem estava a sua frente.
Os olhos se cruzaram. Ela assustou-se. Ele assustou-se. Nenhum dos dois estava acostumado com o amor. Não estavam acostumados com surpresas e sim com a rotina simétrica. Sentiram medo um do outro, pois não era comum dos paulistanos olharem-se nos olhos.
O coração dela também começou a bater num ritmo diferente dos outro nove milhões, novecentos e noventa e nove mil, novecentos e noventa e oito corações. Batia agora no mesmo descompasso assustadoramente alegre do dele. E não era por hipertensão.
Ela então, também sorriu. Timidamente, mas o fez de qualquer forma.
Próxima estação: Liberdade. Desembarque pelo lado direito do trem.
Ele desceria na próxima.
Com uma tristeza inigualável, seu coração foi desacelerando. Assim como o trem. Então desceu. Ficou estático mais alguns segundos na estação, observando-a por mais um último momento. Ela ia embora.

         Nunca esqueceria aquele sorriso.
         Voltou a andar distraído. Mas agora com o coração reavivado.
         Sorrindo no meio de rostos tristes. Leve no meio de consciências tão pesadas. Esperançoso.
         Único.


Eles nunca mais iriam se ver. Sequer se encontrar.

domingo, 16 de setembro de 2012

Sozinha

Sozinha
Na escuridão
Quero apenas a companhia da Lua
Porque a noite sou eu. 

terça-feira, 11 de setembro de 2012

O último poema

Que seja meu último desejo, então, meu último poema.
Meu único desejo é viver e morrer de Poesia.
Que Ela me perdoe se, tantas vezes, não pude encontrar as palavras certas
Para exemplificar uma sensação,
Mas, que Ela saiba:
Eu sinto em Poesia.
Sim, eu A sinto
Pois minha alma imortal
É passível dos caprichos do tempo
E minha alma imoral
Ainda é sofrível pelos meus pecados.
Questiono-me
No silêncio,
Lá onde nasce a Poesia,
Na minha escuridão,
Como pude ser tão profana e tão sagrada,
Nesse perfeito equilíbrio,
Para me tornar poeta?
O que faz de mim poeta?
Dessa vida, nada sei...
Só compreendo que fui poeta.
Entre os meus momentos de desespero
E os de resignação,
Confesso apenas que só soube fazer poesia...
Confesso apenas que vivi.
Transformei o Inferno em Paraíso por um poema.
Não temo o Paraíso, não temo o Inferno,
Já os vivi nessa vida dentro de mim.
Fui apenas mais uma nessa vida.
Nunca escrevi soneto,
Nunca soube rimar direito.
Fui Dioníso e Apolo ao mesmo tempo.
Não fui como qualquer um,
Mas fui poeta.
Nada senti como qualquer um,
Por isso,
sou poeta.
Por isso,
Nesse meu último poema,
Não quero lágrimas,
Nem de alegria, nem de tristeza.
Não se entristeça por esse ser o último poema do poeta.
Já chorei o que pude por Poesia. Amei, odiei.
Eu fiz de tudo poesia...
Quero apenas que você saiba
Entretanto,
E em nenhuma vida,
E em nenhum verso,
Eu vivi em vão.
Pois houve paixão em cada um deles.
Paixão pela vida,
Por suas belezas,
Por seus terrores,
Eu nunca vi de forma comum suas cores.
Vejo a leveza da morte
junto a força da vida.
E quanto são lindas.

Pois eu sou poeta.