segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Explicando a náusea existencial

Enjoo de tudo ao redor. Pode-se sentir seu próprio cheiro. Um mal-estar que é sentido quando tem-se a mais plena consciência de que você realmente existe. Quando você entende que você existe. Cada tecido, célula, molécula, átomo, próton, elétron e nêutron, você consegue sentir cada um deles. Todos vivos; você vivo.
Torna-se plausível à pobre razão humana a grandiosidade de que tudo, absolutamente tudo, é concreto: de que você é concreto, sua alma é concreta, as estrelas, os buracos negros supermassivos, o universo, os ácaros, as bactérias e os vírus.
Sente-se grande e poderoso e, ao mesmo tempo, minúsculo e inferior. É esticado e puxado ao mesmo tempo. Não faz muito bem ao estômago essa sensação, nem ao equilíbrio. Náusea. 
A compreensão de que o mundo ao redor é real: é puro, bruto e concreto, não é uma invenção, sequer uma ilusão. A visão fica um tanto turva, há uma tontura, a impressão que vai cair ou de cara ou de costas no chão, ou os dois ao mesmo tempo... Isso ocorre porque todas as ilusões sobre a vida desaparecem, pois é o momento crucial em que enxerga-se o ambiente ao redor como ele o é: real, irracional, ilógico e até mesmo cruel . Muito cruel. 
As expectativas relacionadas ao futuro desaparecem. As memórias relacionadas ao passado parecem ser uma mera criação de sua cabecinha. Sonhos somem. Tudo é verdadeiro e nada mais. O sangue pulsa nas têmporas. Só o que passa a ter existência no mundo dos sentidos nesse momento é você e o momento. Os sentidos são sentidos em sua máxima potencialidade, todos os cinco ao mesmo tempo; tão fortes que se anestesiam em uma dor prazerosa. 
Segue-se então para uma fase de negação. Ânsia de vômito. Tenta-se negar com veemência a Realidade; uma vontade instintiva de fuga do local pois as paredes do cômodo em que essa situação se dá parecem ter, em média, de 5 a 6 metros de altura, além de parecer que elas estão comprimindo-se sobre seu corpinho. Aliado à essa vontade de vomitar, sente-se um tanto de medo. Claustrofobia, ágorafobia, e claustrofobia de novo e vontade de gritar, de horror e de pavor. 
Com isso, sente-se uma certa tontura ao descobrir a imensidão do universo lá fora e saber que ela existe, mas não conseguir dimensiona-la no seu pobre cérebro humano. E ainda também descobrir que você faz parte dele. Sim, os joelhos tremem. Tristeza e felicidade se misturam. Falta ar, ou toda a quantia de ar é exagerada e parece querer ser aspirada toda de uma só vez pelas narinas ínfimas. 
E então, o grande susto, quando sente-se uma pressão no topo de sua cabeça. Ao olhar-se em seus próprios olhos, num reflexo de espelho, de poça d'água, do que quer que seja, você finalmente entende que não há apenas um universo lá fora, mas sim um também dentro si próprio. E um dentro de cada um ao seu redor. São milhares, milhões de infinitos imensuráveis ao redor de seu infinito, dentro de infinito que é o universo em que existimos.
Você descobre então que há explosões dentro de você. Descobre que você também é um deus ali naquele pequeno sem-fim...
A partir desse momento, duas coisas podem ocorrer: a primeira é ignorar e negar tal fato por temor a si mesmo e sua potencialidade, já que, humildemente, na consciência de sua condição de ser humano, tem medo de fazer alguma besteira com isso; ou até mesmo por não querer uma grande responsabilidade. A segunda é enlouquecer por completo. Pode-se também viver no meio dessas duas situações, o que causa extremo sofrimento, não aconselho essa opção.
Feita a escolha, um pouco de tontura ainda pode ser sentida até que todas as ilusões, quase para sempre perdidas, possam ser recuperadas. Se a opção for pelo primeiro caso citado acima, você seguirá sua vida como se nada tivesse ocorrido e guarda essa epifania como um segredo trancafiado às sete mil chaves, o qual jamais será compartilhado com alguém. O indivíduo poderá seguir sua vida, ou fingir segui-la, mas ele sabe que não é mais o mesmo e nunca mais verá as coisas do mesmo jeito. Provavelmente terá algum tipo de problema fisiológico relacionado à gastrite. Se, em outras condições, a opção for pelo segundo caso, gostaria de parabeniza-lo pelo ousadia e por estar caminhando em direção à sua perfeição.

domingo, 30 de dezembro de 2012

Coisas que eu gosto:

dia ensolarado de inverno;
beijinho na testa;
suco de melancia;
sentir preguiça num dia chuvoso;
comprar livros;
tomar banho ouvindo música;
dar risada em solenidade séria;
girar, girar, girar até ficar tonta e cair no chão;
ouvir a Nona de Beethoven;
acordar depois de ter tido um sonho bom;
comer comida boa;
dormir em uma cama gostosa com um travesseiro de penas;
gatos se espreguiçando;
tomar vinho com a minha avó;
poesia;
prosa;
sugar resto da bebida no fundo do copo com o canudinho;
gente que me ajuda, mas que eu nunca imaginei que fosse um dia fazer isso por mim;
pintar as unhas de azul;
enfiar um monte de comida na boca;
espirrar;
colocar a mão no saco de grãos no mercado municipal;
andar descalça na grama;
jogar coisas pela janela do meu apartamento;
cabelo bagunçado pelo vento;
entrar no meu guarda-roupa e fechar a porta dele comigo dentro;
passar o dedo na chama da vela;
ironias que falam quando estão de mau-humor;
molho agridoce;
barulho da xícara batendo no pires;
aquelas ondas circulares de quando uma gota de chuva cai em uma piscina;
enrolar a fita métrica da tia Dirce só pra joga-la pro alto e desenrola-la;
picolé;
fotos antigas com pessoas desconhecidas;
Ciências Humanas;
ficar sozinha;
cheiro de maresia;
escrever meu nome completo com várias tipos de letras;
andar sem roupa em casa;
todo e qualquer tipo de expressão artística;
andar na Paulista;
segurar a respiração debaixo d'água, pra depois, ao voltar pra superfície, sentir o alívio de respirar;
batom vermelho;
pessoas que encostam a cabeça na janela do vagão do trem;
cheiro de fruta na quitanda;
assistir ao jornal na tevê;
escrever nas paredes;
ficar em silêncio;
falar pouco;
óculos;
olhos verdes;
pele pálida;
observar o comportamento de quem senta atrás de mim no cinema e no teatro;
dragões;
Alice no País das Maravilhas;
mitologia;
folhear revistas de trás pra frente;
pizza;
fotografar flores;
gérberas vermelhas;
roubar raspinha de chocolate de cima da cobertura do bolo;
garrafas;
almofadas;
canecas;
trilhas sonoras de filmes mais do que os filmes propriamente;
casacos;
All Stars;
a Lua;
asas abertas;
bilhetinhos que a minha mãe deixa pra que quando eu acorde eu saber onde ela foi;
folhas secas caídas no chão;
xícaras;
pimenta;
lápis de cor;
cores do fim da tarde;
forma das nuvens;
barulho de máquina de escrever;
ficar olhando pras estrelas;
gente que sabe muito e mesmo assim tem humildade pra ensinar;
morder bochechas;
ter uma nova ideia;
x-egg-bacon-salada;
voz macia;
cheiro de papel;
roupa de brechó;
ficar imaginando coisas;
observar pessoas desconhecidas;
ficar inventando histórias sobre as vidas delas;
chapéus;
gente bem-resolvida que faz terapia;
camisetas;
piscinas;
ir ao supermercado e entrar no carrinho;
barulho de trovão;
obras surrealistas;
gente que não fica tentando ser alguma coisa;
desenhar no vidro embaçado;
cabides;
tintas;
chaveiros;
incenso;
suco de laranja com gelo e açúcar;
gente que se faz de fria porque ama demais e se utiliza desse artifício para não sofrer muito;
prédios;
respirar;
roupas pretas;
regras de três;
gente que não sente a mínima necessidade de explicar seus atos;
amigos que chegam na minha casa e abrem a minha geladeira;
ir ao sítio da tia Ana;
dançar no metrô;
qualquer mulher que tenha "Maria" no nome;
cheiro de pó de café;
tecidos estampados;
lâmpadas de Natal;
passar madrugadas acordada;
e dormir de dia;
roupas que não apertam o quadril;
cozinhar para mim;
chá de canela e gengibre quando tenho gripe;
epifanias;
fazer xixi;
trocar olhares;
gaiolas vazias;
andar à pé;
pracinhas de cidades do interior;
Kombis;
escadarias;
sentar debaixo de árvores;
quintas-feiras;
alongar as pernas;
ouvir conversas alheias das pessoas no transporte público;
moletom com capuz;
pão com requeijão;
combinação dos instrumentos do Tango;
me imaginar jogando um sapato nas pessoas com as quais eu não simpatizo;
passar perfume de lavanda depois de tomar banho;
fingir que eu sou o maestro enquanto ouço música clássica;
cortar o cabelo;
desenhar;
cortinas movimentadas pelo vento que vem do lado de fora;
demonstrações de afeto em livrarias;
cultura inútil;
falar sozinha;
sair de pijama na rua;
e só.




sábado, 1 de dezembro de 2012

Sentido

Fazia um pouco de frio, mas só um pouco. O cobertor cobria-me até o pescoço.

Em minha companhia, apenas o estranho barulho da minha digestão. Não havia mais nenhum outro barulho em mim. Nem sequer uma música com letra irritante e repetitiva.
Apenas o silêncio que me fazia ouvir o barulho do ar sendo deslocado pelos carros em alta velocidade em uma rua ao longe. Mas isso longe, bem longe. Longe mesmo.
Eu não me movia. Fiquei ali, simplesmente intacta. Os impulsos nervosos pareciam não existir. Não conseguia ouvir nem a minha própria respiração, de tão quase ausente que ela estava. Respirava (respirava?), eu, levemente, não sentia meus pulmões inflarem, nem o ar entrar ou sair pelas narinas. Não sentia o movimento do meu ventre empurrando a superfície.
Eu não sentia nada.
Um corpo que está imóvel tende a permanecer imóvel.
Entrelacei meus dedos. Não senti minha própria força nem o toque dos meus dedos. Nem meu próprio toque. Então soltei-os.
Abri meus olhos, e mesmo assim, tudo estava escuro. Fechei meus olhos e tudo continuou existindo escuro.  Na verdade, nada estava existindo ali. Na verdade, tudo continuava a existir, menos eu. Continuei olhando para o teto.
Não conseguia pensar em nada. Associações livres sem sentido e sem graça. Não estava conseguindo nem sequer criar alguma coisa divertida, para que eu pudesse pensar com um cérebro endurecido.  Meus pensamentos não conseguiam sair dali.
Constatei, milagrosamente, que nada fazia sentido ali. Lembre-me então que se eu repetisse uma palavra várias vezes ela também perderia o sentido. Pensei em uma colher.
Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher. Colher.
E a "colher" não perdia sentido. Continuei insistindo, colher, colher, colher, colher, colher, mas não adiantava. Até a colher me fazia sentido e eu não.
Questionei-me por que eu havia pensado em uma colher, afinal. Quanto mais eu pensava em um sentido, quanto mais eu tentava analisar minuciosamente cada existência do que quer que fosse naquele cômodo, menos sentido fazia. Não havia lógica nenhuma que convencesse meu raciocínio.
Sentido, sentido, sentido. "Sentido" não fazia mais sentido.
Nada fazia sentido, tudo não fazia sentido.
Olhei as horas no relógio de cabeceira. Zero-zero e vinte quatro. Zero-zero e vinte cinco. Zero-zero e vinte seis. Sete, oito, nove... mil. Contei até mil.
Continuava sem sono. Continuava esperando uma resposta. Mas qual era mesmo a pergunta?
O teto era pouco interessante e as paredes pouco inspiradoras. Eu estava me sentindo bem? Ou isso era sentir-se mal? Realmente, eu estava sentindo alguma porcaria?
Não estar sentindo nada, era, afinal, sentir alguma coisa? Porque, mesmo que eu não estivesse sentindo nada, era sentir alguma coisa sentir nada.
Será que eu ainda estou viva?, perguntei-me e não soube responder.
Olhei as horas mais uma vez. Uma e pouco. Pelo menos alguma coisa havia se movimentado nesse meio tempo: o tempo.
Tudo se apagou.
Abri meus olhos, surpresa pelo fato de abri-los. Não havia percebido em que momento os fechara. Tentei buscar na falha memória minha onde é que eu estava. Em verdade, eu só havia percebido que tudo estava apagado, que eu estava apagada quando acendi. Cochilei?
Ou deixei de existir por alguns minutos?
Dei-me conta, então, que eu havia conseguido não sentir nada, mas sim o Nada, porque eu estava vazia.
Eu tinha conseguido sentir. SENTI!

E então, aconteceu de repente, entre um segundo de descoberta e outro, totalmente imprevisível.

Assustei-me.
Um ronco molhado ribombou em meu estômago. Senti algo estranho, como se ele estivesse se espremendo em si mesmo. Senti! SENTI! Eu havia conseguido sentir algo! Sorri alegremente.
Imobilizei-me por mais alguns segundos para ver se conseguiria sentir de novo. E consegui! O estranho órgão retorceu-se de novo e, dessa vez, ainda senti um gosto amargo e azedo em minha boca. Respirei fundo.
Senti-me, então, feliz. Tão feliz! Tão plena e tão lógica. Tão viva, sim, havia conseguido a confirmação: eu estava viva. Jamais esperaria que algo assim ocorresse, mas já que ocorreu, fiquei resplandescente em acatar tal acontecimento. Fui libertada daquela inércia. Tudo reviveu em mim. Um arrepio. Um sorriso. Eu conseguia sentir, e repentina e surpreendentemente, tudo voltou a fazer sentido.
Estava tendo uma epifania. Senti uma dor em minha barriga. Um pedido, um instinto, eu não estava extinta, ele dizia. Senti vida, passado, presente, futuro.
Olhei para o relógio ainda mais uma vez e não me importava de maneira alguma que horas eram. Me descobri, sentia calor!
Conseguia ouvir aquele barulho maravilhoso dentro de mim.
Fui ressuscitada, o ar me inspirava! Levantei-me corajosamente. Precisava de uma colher, rápido, iria comer uma fatia daquele resto de bolo na geladeira.
Eu sentia! E que maravilhosa sensação!

Sentia fome.






quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Gente que reclama

Gente que reclama do calor.
Gente que reclama de gente que reclama do calor.
Gente que reclama de gente que reclama de gente que reclama do calor.

sábado, 27 de outubro de 2012

Sampa II

Na verdade, nada aconteceu no meu coração quando cruzou a Ipiranga e a avenida São João.
Meu coração já entendia tudo quando eu cheguei aqui. Acho realmente bela sua poesia concreta, e as tuas meninas são elegantes sim!
Vejo meu rosto perfeitamente, frente a frente, pois sou mutante. Não acho nada disso mal gosto, pelo contrário, Narciso aqui acha extremamente belo a grandeza daquilo que não é espelho.
Foi um fácil começo, aproximei-me de tudo aquilo que não conhecia e hoje conheço. Era meu sonho de cidade, minha feliz cidade, minha feliz realidade.

Mas, nada disso importa. O que realmente me preocupa é nada, absolutamente nada aconteceu no meu coração quando cruzou a Ipiranga e a avenida São João...  Isso é mau sinal. Significa que me deixei levar pela frieza de tua garoa.
Tornei-me mais uma, apenas mais uma dentre os outros. Fui oprimida. Tornei-me mais uma dos seus, Sampa, que nada acontece mais no coração, que não tem mais coração, daquela pior estirpe que sempre está com pressa e buzina.

Sinto que não tenho mais paciência. Nem o calor e a quentura que emana de suas ruas contidas de concreto me aquecem. Nada mais aquece meu coração. Não consigo mais chorar nem ter piedade. Passo pelas pessoas jogadas nas esquinas e apenas ignoro-as. Tem coisa pior do que ignorar? Tem?
Você me obrigou a ser autossuficiente. Você me obrigou a ser solitária.

Passeio solitária por sua garoa e isso não me incomoda. Nada mais acontece em meu coração.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Fim de Setembro, começo de Outubro.

Confins de Setembro. Começo de Outubro.
Um pouco mais a frente, mais da metade já se foi, mas não por completo. Ainda não é nosso fim.
Nunca em minha vida pude sentir esse "clima de romance" da primavera. As manhãs são tão frias. E as tardes quentes.
De qualquer forma, sempre levo comigo um casaco. Um abrigo. Às vezes chove.
Já estamos todos cansados, já pendendo para o desânimo. Um pouco entediados com a programação da tevê, confessemos, porém não nos damos ainda o direito de perder a coragem por completo. Não nos cabe esse dever ainda...
Em alguns casos ainda há um resquício de esperança.
No espírito, as memórias, moldadas pela nossa subjetividade, pelo orgulho, pelo medo e pela vergonha, as lembranças dos meses passados. No olhar, a expectativa de um futuro que fingimos ser certo, mas, na realidade, é extremamente incerto. Nem bom, nem mau. Planos para o presente de Natal, talvez.
Ficamos neutros. Ficamos estagnados.
Há insegurança em dar um passo para frente. Há pavor em tentar dar um passo para trás. Assim fica difícil de se ver as flores, essas tais flores...
Precisa chover, para limpar o mundo, nos limpar, por dentro e por fora.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Gauche

Quando nasci, um anjo reto
Desses que vivem na luz
Disse: Vai, menina! É aquele ali que vai te cuidar...

E apontou pra um outro anjo
Ali ao lado,
Que voava meio torto
Porque tinha uma asa meio machucada
E umas penas faltando,
Mas eram asas gigantescas!

Tinha um sorriso debochado
E uma alegria no olhar
Como se já soubesse tudo da vida
E da minha vida.

Talvez, de fato, ele soubesse...
Talvez ele não soubesse de nada...

Ele não era do padrão típico de anjo
Isso eu já sabia.
Mas ele me passou tanta confiança...
Foi então que ele me confessou com muita sinceridade:
- Vem, menina!
E eu fui. Ele continuou:
- Quando eu nasci uma vez, um anjo torto
Desses que vivem na sombra
Disse: - Vai! ser gauche na vida.

Continuei observando-o sem entender muita coisa.
- Eu estou aqui - continuou ele - pra te ajudar
Porque você também vai ser gauche na vida.

Então eu perguntei:
-Quer dizer então que eu vou ser poeta também?
Então ele respondeu:
-Sim!

Ele me disse para não ser poeta de um mundo caduco
E para também não cantar o futuro
E para considerar a enorme realidade.

Fiquei muito assustada no começo.
Mas logo passou
Porque o tal anjo pegou minha mão e me levantou:
-Vamos de mãos dadas!


sábado, 22 de setembro de 2012

Curiosidades

Padeço de curiosidade. Tenho sempre de ir e ver com meus próprios olhos e nada mais.
Questiono-me devido a esse fato:
- Sou uma daquelas eternas aprendizes
OU
- Sou uma completa idiota?

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Os mortos-vivos

Deitam a cabeça cheia de pensamentos no travesseiro. Não conseguem se concentrar para o sono e o descanso. Depois de inúteis tentativas e uma luta invencível contra as angústias, levantam-se e entregam-se ao pequeno comprimido. Droga com bula.
Conseguem enfim dormir. Os sonhos são confusos, ansiosos, nervosos. Não há descanso de fato.
Eles não se dão descanso.
Acordam com o despertador estridente em sua orelha. Por apenas alguns segundos tem paz. Não estão completamente conscientes nem memorados. O cérebro vai adaptando-se lentamente à claridade fraca.
Os olhos abrem-se por completo. Recordam-se.
E então tudo volta. Tudo.
As angústias, os nervos, as ansiedades. Suspiram melancólicos. Sentem certa vontade de chorar. Tudo começa a rodar novamente em suas cabeças.
O coração ainda bate, o oxigênio ainda entra por suas narinas. Mas não desejam sair dessa cama.
Estão mortos.
Levantam-se sem vontade. Não tem sequer curiosidade para saber o que pode ocorrer, o que pode mudar.
Cumprem as primeiras tarefas do dia mecanicamente. Não dão atenção ao que fazem, estão ali em seu corpo maduro, mas com os pensamentos apodrecidos. Os líquidos transbordam, deixam-se queimar, as louças se partem no chão.
Estão eles, na verdade, partidos. Frustrados, limpam a sujeira.
Andam pelas ruas como mortos-vivos. Os olhares inexpressivos, perdidos em sua própria malha de pensamentos confusos. Inconformam-se com o fato de ninguém ali, nenhum daqueles desconhecidos poder ajuda-los. Sentem inveja dos que estão felizes e sorrindo. Sentem raiva de casais apaixonados. Sentem nojo de todo o resto. Despresam a si mesmos.
Eles querem ajuda. Mas não fazem a mínima ideia de como pedir. Nem que é possível pedir...
Perdem-se facilmente em suas questões. Não sabem como resolvê-las. Ou sabem, na maioria das vezes sabem, mas não o querem fazer.
Por medo, por pena, por preguiça, por orgulho, por apego, por raiva...
Alimentam-se dessa situação. E vão perdendo a Vida por isso.
Morrem, mas ao invés de serem elevados são rechaçados cada vez mais fundo em si mesmos.
Estão perdidos neles mesmos.
Fazem de tudo para não demonstrar. Utilizam-se de suas últimas forças, que seja, mas não! As olheiras, os glóbulos inchados... Nada é pretexto.
Relembram com pesar das felicidades do passado. Têm raiva do fato de já terem sido felizes um dia... Apegam-se às memórias, transformam-na em irrealidade, moldam para que sejam perfeitas. E torturam-se com a incapacidade que acreditam ter de recuperar o sentir feliz mais uma vez. Tentam se matar assim. Choram ao lembrar que não são mais felizes.
Queriam apenas deixar seu corpo em algum lugar e descansar. O maior desejo é poderem livrarem-se deles mesmos. Porque, no fundo, eles sabem que são os culpados. Os únicos. Mas não assumem isso. Nem secretamente dentro de suas mentes, em seus pesamentos mais obscuros, nas verdades mais hediondas.
Por isso fogem. A fuga os torna mortos-vivos.
Sonham com o fim do Fim. Em outras palavras, desejam apenas que tudo acabe. Apenas acabe silenciosamente. Sabem que se conseguirem surtar ficarão bem. Mas essa é uma ousadia muito grande, não há previsibilidade do que pode ocorrer...
Sabem que a mudança é necessária, e sabem também que ela não deve partir deles. Sabem que precisam morrer para renascer pois o fim lhes trará algo novo. Entretanto preferem esse sobrevida, esse umbral, esse meio. Sem um passo para frente nem outro para trás. Rolam na sujeira.
E mais uma vez, fogem.
É instintivo tentar fugir daquilo que pode mata-los.
E deitam mais uma vez a cabeça cheia de pensamentos.  Não conseguem se concentrar para o sono e o descanso. Depois de inúteis tentativas e uma luta invencível contra as angústias, levantam-se e entregam-se ao pequeno comprimido. Sabem que no dia seguinte será a mesma coisa.
Dormem e acordam do mesmo jeito, com o mesmo peso.
Não sentem mais a esperança. Por isso estão mortos. Mas no fundo, ainda querem se salvar.
Mas fogem. Por isso ainda estão vivos.






segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Amor em SP

Ele andava distraído. Os pensamentos e os pés automáticos. Seu coração também batia. Automaticamente.Dez milhões de corações também batiam juntos naquele momento. Num mesmo compasso, aparentemente tão diferentes, mas, no fundo, todos iguais.
Ele era, na verdade, diferente de todos aqueles. Único. Não era igual a mais ninguém. Mas único como todos os outros. Só mais um entre os outros. Inigualável como qualquer outro. Sozinho, da mesma forma que os outros. Todos ali viviam na mesma solidão. Uma solidão fazendo companhia para a outra. Todos ali tão sós e tão juntos. De certa forma, era uma forma de amor dentre estes.
Ele estava sozinho.
Equilibrava-se sozinho. Os dedos quase roxos, a cabeça nas nuvens e os pés no chão. Já estava um tanto irritado. A próxima estação era a Sé. Ele foi desacelerando, desacelerando...
Parou. As portas abriram e alguns usuários do metrô saíram. Suspirou e voltou a respirar, aliviado. Olhou para trás, para ver quem iria entrar. As portas abriram novamente. E então, ela entrou. Anônima. Linda.
O cabelo curto e prático, os olhos castanhos e sonolentos. Uma bolsa, uma sacola, uns livros e o casaco nos braços. Apressada. Cansada. Compenetrada em sua solidão dos os fones de ouvido.  No entanto, trazia um leve sorriso no olhar, pois estava ouvindo uma música que aparentemente gostava muito.  
O vagão e seu coração aceleraram. Numa repentina falta de equilíbrio, por ela e pelo movimento, ele agarrou-se rapidamente ao amor para não cair.
Ela era tão linda!
Ele não conseguia tirar os olhos dela. Como ela devia se chamar? Com o que ela trabalhava? Qual sua comida favorita? O que estaria lendo?
Seu coração batia num ritmo diferente dos demais ali. Estava acelerado.
A expressão abobalhada. As pernas trêmulas. Sorriu inconscientemente.
Nesse exato momento, o Destino fez com o que ela olhasse para frente. E por acaso era ele quem estava a sua frente.
Os olhos se cruzaram. Ela assustou-se. Ele assustou-se. Nenhum dos dois estava acostumado com o amor. Não estavam acostumados com surpresas e sim com a rotina simétrica. Sentiram medo um do outro, pois não era comum dos paulistanos olharem-se nos olhos.
O coração dela também começou a bater num ritmo diferente dos outro nove milhões, novecentos e noventa e nove mil, novecentos e noventa e oito corações. Batia agora no mesmo descompasso assustadoramente alegre do dele. E não era por hipertensão.
Ela então, também sorriu. Timidamente, mas o fez de qualquer forma.
Próxima estação: Liberdade. Desembarque pelo lado direito do trem.
Ele desceria na próxima.
Com uma tristeza inigualável, seu coração foi desacelerando. Assim como o trem. Então desceu. Ficou estático mais alguns segundos na estação, observando-a por mais um último momento. Ela ia embora.

         Nunca esqueceria aquele sorriso.
         Voltou a andar distraído. Mas agora com o coração reavivado.
         Sorrindo no meio de rostos tristes. Leve no meio de consciências tão pesadas. Esperançoso.
         Único.


Eles nunca mais iriam se ver. Sequer se encontrar.

domingo, 16 de setembro de 2012

Sozinha

Sozinha
Na escuridão
Quero apenas a companhia da Lua
Porque a noite sou eu. 

terça-feira, 11 de setembro de 2012

O último poema

Que seja meu último desejo, então, meu último poema.
Meu único desejo é viver e morrer de Poesia.
Que Ela me perdoe se, tantas vezes, não pude encontrar as palavras certas
Para exemplificar uma sensação,
Mas, que Ela saiba:
Eu sinto em Poesia.
Sim, eu A sinto
Pois minha alma imortal
É passível dos caprichos do tempo
E minha alma imoral
Ainda é sofrível pelos meus pecados.
Questiono-me
No silêncio,
Lá onde nasce a Poesia,
Na minha escuridão,
Como pude ser tão profana e tão sagrada,
Nesse perfeito equilíbrio,
Para me tornar poeta?
O que faz de mim poeta?
Dessa vida, nada sei...
Só compreendo que fui poeta.
Entre os meus momentos de desespero
E os de resignação,
Confesso apenas que só soube fazer poesia...
Confesso apenas que vivi.
Transformei o Inferno em Paraíso por um poema.
Não temo o Paraíso, não temo o Inferno,
Já os vivi nessa vida dentro de mim.
Fui apenas mais uma nessa vida.
Nunca escrevi soneto,
Nunca soube rimar direito.
Fui Dioníso e Apolo ao mesmo tempo.
Não fui como qualquer um,
Mas fui poeta.
Nada senti como qualquer um,
Por isso,
sou poeta.
Por isso,
Nesse meu último poema,
Não quero lágrimas,
Nem de alegria, nem de tristeza.
Não se entristeça por esse ser o último poema do poeta.
Já chorei o que pude por Poesia. Amei, odiei.
Eu fiz de tudo poesia...
Quero apenas que você saiba
Entretanto,
E em nenhuma vida,
E em nenhum verso,
Eu vivi em vão.
Pois houve paixão em cada um deles.
Paixão pela vida,
Por suas belezas,
Por seus terrores,
Eu nunca vi de forma comum suas cores.
Vejo a leveza da morte
junto a força da vida.
E quanto são lindas.

Pois eu sou poeta.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Só quero que você dance comigo

Eu não te peço muito. Não te pedirei quase nada. Não precisa fazer muito. Só quero que você dance comigo.
Só queria que, num dia nublado, chuvoso e frio, em que eu esteja jogada no sofá velho da minha sala, com o olhar perdido entre as paredes brancas, você venha até mim.
Não quero que você fique intimidado pelos meus olhos vermelhos e as bochechas ainda umedecidas. Chegue mais perto. Mexa no meu cabelo desgrenhado em sinal de misericórdia.
Sorria para mim, mesmo que seja de um jeito um tanto torto e sem graça. Só peço que seja verdadeiro, mesmo que seja em silêncio.
Olharei para seus olhos. Provavelmente mais algumas lágrimas que ainda teimam cairão. Por favor, seque-as.
E então você se levanta. Liga o rádio. Pode ser a música que for.
E então ela começa.
E então você estende sua mão para mim. E diz:
-Vem cá.
Já aviso que, à principio, eu vou negar. Vou me encolher no sofá e virar o rosto para as almofadas e, com a voz tremendo, eu direi algo que pode ser inteligível como um "não".
Após esse fato, você, faça-me um favor: não desista. Pegue minha mão, meu braço e me levante, mesmo que eu demonstre não querer, saiba que eu quero.
Eu ficarei olhando para o chão com um nó na garganta enquanto a música continua. Seja paciente. Dê-me um beijo na testa. Deite-me em seu peito, enrole meu tronco em seus braços, deixando com que eu coloque os meus desleixados sobre seus ombros. Proteja-me do frio.
Abrace-me.
Nesse momento eu certamente cravarei minhas unhas em suas costas, em um esforço, apertando meus olhos, para não chorar mais. Abafarei um grito enquanto você enrola seus dedos na minha cabeça. Espero que você não se importe...
Somente levante-me, coloque meus pés sobre os seus. Tire meus pés do chão, como se eu pudesse voar. E ao som dessa música, dance comigo.
Me leve para um lado, para o outro, não precisa ser grande coisa. Faça-o lentamente. Segure com força meus joelhos e meu coração, ambos trêmulos. Segure-me para que eu não desabe. Vamos girando pela sala. Carregue minha respiração dificultosa enquanto ela se mistura com sua expiração. Fique comigo. Ajude a purificar meu peito angustiado com sua paz. Movimente-me trazendo vida de volta ao meu corpo.
Só até eu me acalmar... Dance comigo. Não precisa ser nada mais que isso.
E mesmo que seja difícil de acreditar, sussurre em meu ouvido enquanto a chuva bate no vidro da janela onde eu verei nosso espectro refletido:
- Não se preocupe mais, vai ficar tudo bem...
E a gente dança mais um pouco.





segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Constatação filosófica do dia:

"Quanto mais normal você tenta ser, mais louco você acaba por parecer."
- eu mesma.

Realidade dos sonhos


Assusta e amedronta-me quando um dos meus sonhos começa a tornar-se realidade... É estranho vê-lo tomar para si mesmo uma forma concreta. Sinto um arrepio no coração, quase uma angústia, um medo desmedido quando ele toma para si a Realidade. De uma maneira tão nua e crua.
Ao mesmo tempo que sinto orgulho e satisfação, sinto medo. Fico apreensiva depois do tanto que ele foi sonhado, desejado e querido. E por tanto tempo...
Apego-me aos meus sonhos. E facilmente. Acostumo-me com suas presenças me fazendo companhia em noites frias e, tantas vezes, solitárias. Um carinho que faço à mim mesma.
E quando eles estão prestes a tornarem-se realidade, às vezes nem quero que eles de fato se tornem, de tão prazerosos que eles me são ao serem sonhados, criados com muito amor, carinho e calma. Com muito esmero.                 A realidade é dura demais para eles... 

Reação do Tempo



É uma sensação estranha. A mente fica um tanto confusa. É estranho quando o tempo começa a mudar, e o Futuro começa a absorver o Presente. O Futuro lentamente joga suas garras sobre o Presente, de um modo piedoso, entretanto assustador. Vai arranhando-o e despedaçando-o sem que se perceba, de modo indolor. Sente-se um líquido quente escorrer pelas costas, algo aterrorizante seu fim, porém de uma beleza que apenas as mais elevadas e iluminadas almas podem compreender.
 Mas não se pode gritar, nem definir com precisão de que se trata.
Apenas é sabido que não é algo normal. A mudança é sentida, mas não é racionalmente constatada. Em outras palavras, tem-se a noção de que algo está acontecendo, mas não se sabe ao certo o quê. É uma questão de intuição e um tanto de resignação.
 E assim os pedaços de Presente, aqueles dilacerados anteriormente, começam a cair delicadamente. Quando tocam o chão e as almas, iniciam-se em um ritual único, onde as cinzas do Presente tornam-se Passado e desaparecem do mundo físico. De modo algum deixam de existir, muito pelo contrário: passam a habitar paraísos onde podem descansar após sua missão já plenamente cumprida, deixando apenas sua lembrança agridoce nas memórias dos corações.
Em seguida, os fluídos do Futuro dominam essa aura e condensam-se em uma nova crosta fina e brilhante. E assim tornam-se Presente por sua vez. De acordo com o passar do tempo e com o contato com gases e situações presentes na atmosfera, essa casca torna-se mais densa e porosa, de forma que, na próxima vez que o Futuro chegar, ela estará pronta para ser absorvida quando os sonhos começam a se tornar realidade... Estando o detentor desses pronto ou não.
De forma cíclica e indefinidamente. 




sábado, 23 de junho de 2012

Sendo II

Estou aprendendo a me ser,
sendo que sempre fui,
ou ainda,
sendo algo completamente novo?

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Sendo

Eu me queria muito de volta. Muito mesmo.

- Mas quem eu era mesmo?

Conselho da Vida

...então eu olhei para Ela, ainda meio assustada e com o estômago embrulhado. Ainda meio incerta, tomei coragem e perguntei:
- E agora, o que eu faço?
Ela virou de frente para mim. Não expressava nada, nem dor, nem prazer. Não teve misericórdia pelo que fizera comigo. Olhou-me nos olhos. Bem lá no fundo. E disse:
- Agora você se levanta. E continua.

sábado, 26 de maio de 2012

Filosofia de vida

Agora, o nosso momento de reflexão. Uma das chaves para o encontro da paz interior. A cura para muitos males.
Atemporal. Salvador.
Proveniente dos primórdios da humanidade e de suas grandes almas iluminadas, tão raras hoje em dia. 
A lição de sabedoria do dia é o seguinte provérbio tibetano:






"ISSO NÃO É PROBLEMA MEU."

Cartão postal

Não consigo me decidir onde é meu lugar...
Não sei mais se é aqui ou se é lá.  Quando estou aqui, sinto falta de lá. Quando estou lá, sinto falta daqui.
Lá eu tenho amor, aqui eu tenho liberdade.
Gosto das formas daqui. Gosto das cores de lá. Gosto da complexidade daqui. Gosto da simplicidade de lá.
Aqui eu tenho o que eu nunca tive. Lá eu tenho o que eu sempre terei...
Lá eu tenho. Aqui eu sou. Lá eu acostumo. Aqui eu contesto.
De lá eu já sei tudo. Daqui eu só sei que nada sei.
Nesses dois lugares eu tenho medo.
Lá eu faço o que eu gosto. Aqui eu faço o que eu quero.
Adoro passar a semana aqui. Quero ir no feriado pra lá. Adoro os desafios daqui. Adoro o descanso de lá.
Adoro os barulhos do dia daqui. Adoro o silêncio da noite de lá. 
Lá eu tenho sorte. Aqui eu tenho merecimento. Lá sou humilde. Aqui, orgulhosa. 
Nesses dois lugares eu tenho sonhos. 
Ainda não consegui me decidir onde é o meu lugar!
Vivi lá e viverei aqui. Irei para outro lugar... 
Talvez não seja nenhum desses lugares...
O mundo é meu novo lar. 


quarta-feira, 23 de maio de 2012

Um começo de noite de sexta com meu pai

Meu pai sempre chegava em casa por volta das dezessete. Cansado, mas superiormente alegre por um fim de dia.
Primeira coisa que fazia: tirar o sapato. E então o relógio.
Ia pra cozinha. Abria a geladeira, pegava uma cerveja. Quando num dia mais cansativo presenteava-se com uma dose de uísque. Gelo e bastante água.
Ia para a sala e ligava o aparelho de som. Bastava-se a escolher o que ouviria enquanto o gelo derretia. Normalmente para a noite de sexta escolhia blues. Ou Emma Shaplin. Em fim de tardes mais frios enveredava mais para os Clássicos. Rachmaninoff ou Chopin.
Invariavelmente escolhia a trilha sonora de 'Era uma vez na América'. Seu filme favorito.
Sentava-se confortavelmente no sofá.
Apoiava o copo já suado no braço do sofá.
Acendia um cigarro enquanto a música se iniciava. O cheiro da nicotina inflamada enchia o cômodo. Dava a primeira tragada com prazer numa inspiração profunda. De forma que também pudesse inspirar a música no ar.
Inspirava-se.
Tomava alguns goles de sua bebida.
O som do gelo batendo contra as paredes de vidro do copo misturava-se ao ritmo da música e tornava-se parte dela secretamente.
Olhava encantado para as paredes ou para o teto enquanto embriagava-se pelos acordes. Sentia ribombar dentro de si o volume. Silenciava dentro de si para poder aproveitar todas as possibilidades do lado de fora... Sensibilidade que pouca gente tem.
Olhava vidrado, esquecia do olhar enquanto apreciava a boa música. Deixava a fumaça do cigarro se embolotar sobre sua cabeça. Meu pai tinha ótimo gosto musical...
Às vezes cantarolava. Isso acontecia quando eram suas músicas preferidas. Às vezes me chamava para mostrar alguma das músicas.
E ficava assim, por algumas horas. Mais alguns cigarros. Outras músicas. Ficava olhando, relaxando, não pensando em nada. Ou pensando em tudo, vai saber...
Um descanso merecido, pro corpo e pra mente. E era bonito de ver um coração se enchendo de paz. E uma alma se purificando, cheia de calma.
Mais um gole e um trago. Mais uma canção para salvar-se.
Um início de paz.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Bilhetinho

Meu bem,
 te amei por duas semanas e uns três dias se meus cálculos não estiverem errados...
 Sonhei contigo por duas noites seguidas. E depois mais outra.
 Foi engraçado, divertido e inesperado.
 Mas foi...
De qualquer forma, fique sabendo que o seu sorriso é de matar! De canto de boca, e junto você fecha um pouco seus olhos num jeito meio maroto. E olha de cima pra baixo. É extremamente encantador.
De qualquer forma, obrigada!
Adeus.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Momentos

Sabe, o importante não é viver cada momento como se fosse o último. Mas sim como se fosse o único.
O último é muito triste se o passado não fora bem vivido, e daí surge o desespero. Nem toda a despedida dá sinal de volta. Mais desespero.
Fins simbolizam começos, mas, afinal, de quê? Ninguém gosta de incertezas. Mais desespero ainda.
Por outro lado, a unicidade das coisas se faz positiva em qualquer caso. Porque, sendo ela única, faz-se assim incomparável. Ela sim faz as coisas inesquecível, ela sim torna especial.
Há um desespero delicioso no momento único, talvez o que o torne único de fato. É a aflição de por um acaso não vivê-lo, mesmo estando vivendo-o. O medo de estar vivendo-o tão intensamente e depois não poder lembra-lo. De tanto que foi vivido... De tão forte que foi. Até traumático.
O desespero do último é sofrido. O do único é belo. A saudade do último é triste, pesarosa por o que se deu anteriormente não mais acontecerá. A do único é alegre, plena, contemplativa e satisfatória.
O único é inigualável. O último é o fim.

domingo, 25 de março de 2012

Instinto

Sim, pois no fundo, bem no fundinho, eu tenho certeza que quando eu sinto medo, há ainda uma dose de admiração por ele.
É um assombro de respeito.
Eu realmente respeito e admiro àquilo que temo. Quase há um despertar de afeição. Porque esta perturbação resultante da ideia de um perigo real ou aparente ou da presença de alguma coisa estranha ou perigosa, faz com que eu a respeite por ela conseguir derrubar as barreiras da minha coragem e ousadia.
Não gosto de tomar susto. O medo faz com que eu me mexa e evite.
Isso mostra o quando o que eu temo é maior que eu. É mais poderoso que eu. Derruba o que eu acredito, coisa que ninguém consegue fazer!
Tem mais artimanhas para me atingir do que eu. Sinto quase uma certa inveja...
Tremo. Arrepio. Como será que ele consegue? Me faz sofrer, me faz machucar.
Admiro àquilo que me apreende. Simplesmente porque ele consegue me tirar do eixo, da minha zona de conforto. Faz com que eu me mova, que eu corra, que eu grite. Faz, simplesmente, com que eu tenha medo.
No fundo, eu admiro aquilo que temo.

sábado, 24 de março de 2012

Bons conselhos a serem dados à mim mesma

Deixe estar... Não tenha pressa, e principalmente não deixe o desespero te dominar.
Não desanime. Não se desanime.
Mantenha a esperança. Respire fundo.
Deixe esse orgulho de lado. Passe vergonha se necessário. Aprenda.
Chore quando precisar.
Tenha juízo. Mas não tenha medo.
Não tenha medo de enfrentar seus Medos.
A Felicidade será encontrada onde você menos espera. E tem tanta coisa desnecessária que faz com que esse encontro seja atrasado...
Dê tempo ao Tempo e tudo o que deve se resolver irá ser resolvido.
Busque sabedoria. Busque paz.
Tudo o que você está tentando provar é para si mesmo.
E para mais ninguém.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Cara de tempestade

Ela entrou sem que ninguém percebesse.
Trazia consigo o enorme peso de se ser. Uma imensa vontade de chorar. Outra de vomitar.
Mas em hipótese alguma deixaria seus sentimentos se transparecerem, principalmente esses que a derrubavam.
Não se suportava ver derrotada, principalmente quando perdia para si mesma e sua insensatez. Ou aquilo que acreditava ser loucura...
Que não necessariamente era.
Entrou na sala com cara de tempestade pois aquele ambiente não a agradava de maneira nenhuma. Achava tudo aquilo um absurdo. Mais abismada ficava quando se via obrigada a estar ali. Sitiada.
Numa guerra interior: queria gritar mas não podia.
Sentou-se então apenas quieta. Cumprimentava alguns, desdenhava de outros.
Mas nunca ninguém sabia ao certo o que ela estava sentindo. Ou pensando. Ou arquitetando. Ou o que quer que fosse.
Apenas a observavam de longe. Tinham medo.
Sempre que ela parecia distraída era porque estava prestando atenção.
Sempre que parecia estar prestando atenção certamente era para disfarçar que estava distraída.
Falava pouco, bem pouco. Gostava de ouvir. Contestava apenas em sua cabeça. Não era muito à favor de compartilhar ideias... Nesse ponto era muito egoísta.
Queria-as apenas para si.
Mas isso ninguém sabia.
Ninguém sabia nada sobre ela. Bem, quase nada.
Não era do conhecimento dos comuns que ela gostava de ouvir os trovões e raios quando chovia. Por isso sempre tinha cara de tempestade.
Talvez por isso todos a temessem. E a admirassem secretamente, porque ela tinha a coragem de assumir que amava as tempestades.
E como as tempestades, ela começava e terminava sem que ninguém percebesse, porque todos se preocupam com o meio dela. E enlouquecem ao tentar desvenda-las.
Não havia importância na hora que ela saía ou entrava. O importante era que ela estivesse lá.

Ela saiu sem que ninguém percebesse.

Valsa da Verdade

Tem gente que me disse que é legal. Teve gente que me disse que é ruim e faz mal.
Uns disseram uma coisa. Já outros, disseram a outra. Dizem que sim, que não. Há os que ainda arriscam um talvez...
Uns são da corrente filosófica do "encontre-se". Já ouvi também os que dizem sem titubear: "perca-se".
- Ser feio é bonito.
- Feio mesmo é roubar e não poder carregar!
Segure.
Solte.
Seja honesto.
Seja esperto.
Engula.
Cuspa.
Todos falam. Ninguém ajuda. Nada disso é verdade.
A verdade é que ninguém sabe a Verdade.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Hoje eu acordei outra

Hoje, eu acordei outra.
Já não sou a mesma de ontem.
Hoje pela manhã, quando abri pregeuiçosamente meus olhos a luz não os excitou como havia o feito ontem.
A dor dos meus calcanhares quanto tocaram o chão frio já não foi a mesma dor de ontem.
Por mais que eu tenha contado os grãos de pó do café com a mesma quantidade de ontem, seu gosto não foi igual. Não vi com os mesmos olhos, não falei com a mesma voz, não escutei com os mesmos ouvidos, não senti com a mesma pele.
Fiz o mesmo caminho de ontem, mas meus passos não foram os mesmos. Respirei o mesmo ar, mas esse não aliviou os meus pulmões do mesmo jeito. Meu coração bateu num rítmo diferente.
Fiz o que fiz ontem do mesmo jeito, entretanto não mesmo tempo, não com a mesma força, a mesma inteligência e a mesma disposição.
Achei que enlouqueci, mas logo acostumei-me com a minha nova versão, porque, ao contrário do que muitos pensam, as coisas mudam. Mesmo quando elas parecem ser as mesmas.
Por mais absurdo que pareça, nenhum dia é igual ao outro. Parecidos, mas iguais? Jamais!
E quando as coisas parecem mudar, mais elas permanecem as mesmas...
E já antes de dormir, senti que já não estava sendo a mesma que fui hoje...
Pois sabe-se que, anteriormente, eu também já não era a mesma de anteontem.
E amanhã já não mais serei a mesma de hoje.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Quem é você?

Você já sentiu ódio de si próprio? Nojo de si próprio? Com vergonha de si mesmo? Com medo de si mesmo?
Assustado com seus próprios segredos?
Temeroso com que seus olhos podem ver? Temeroso quanto ao que seus ouvidos podem ouvir? E principalmente quanto ao que sua boca vai falar?
Você já sentiu vontade de chorar de raiva?
Houve um momento em sua vida em que você não pôde mais suportar o mundo em suas costas? Houve um momento em sua vida em que você quis apenas ser deitado e aconchegado, em qualquer lugar que fosse? Houve um momento em sua vida em que você quisesse apenas sair para dar uma volta e tomar ar puro?
Você já procurou respostas que não encontrou? Você já acreditou em alguma coisa apenas porque fazia sentido? Você já amou?
Já teve tremor nas pernas? Já teve frio na barriga? Já teve o coração disparado?
Você já caiu?
E levantou?
Cegou-se pela escuridão? E pela luz?
Não soube o que fazer da vida? Sabe o que fazer pela vida? Sabe o Significado da Vida?
Você não se encara quando se olha no espelho? Por medo do que pode ver ou por medo de se apaixonar? Você tem medo de quê, a propósito? Tentou fugir de si mesmo?
Você já teve aversão por quem você deveria amar? Você já se perguntou o porquê disso?
Já se sentiu sozinho? Já sentiu a solidão? Já sentiu compaixão? Já sentiu paixão por quem não devia?
E por que não devia?
Acredita no pecado? Acredita no Amor? Com quantas pessoas você se sente especial? Quem são elas? Quem são as que você se sente desgraçado?
Acredita no Perdão?
Prefere a imperfeição? Prefere sangue, suor ou lágrimas? Prefere a dor ou a delícia de ser o que é?
Se você não fosse você, quem você seria?
-Quem é você? - perguntei à mim mesma.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Toddy e Tédio

Escrevo em nome do assassinato do Tédio.
Não há muitas opções do que fazer a essa hora (00:59 mais precisamente). E eu estou sem sono. Pois é, nada que um remedinho não resolvesse, mas não sou pró-remédios pra dormir. Não gosto de remédio. De nenhum tipo, gênero, classe ou finalidade.
Mas sabe, escrever faz com que o tempo passe mais rápido. Não sei se isso servirá especificamente para hoje, mas normalmente dá certo.
Normalmente não é sempre, terei isso em mente. Vamos vivenciar as possibilidades...
Os dias passam devagar quando eu quero que eles corram. E quando quero que o tempo pare, aí sim ele voa. Por que isso acontece?
Mas chega de discutir as condições do Tempo.
Por que o céu é azul? Por que quando eu preciso de criatividade ela não aparece?
Isso é uma coisa cruel: ter de ficar sozinha com a Realidade. Me faz mal, me desgasta ter de ficar olhando para alguma coisa e não conseguir observa-la.
Fico apreciando o silêncio das paredes brancas. Com minha cabeça no branco.
Aquela velha história do som constrangedor do silêncio. Assim nasce o Tédio!
Na verdade, eu acho que o Tédio surge quando fico sozinha na companhia de mim mesma por um longo período de tempo. Fico completamente previsível nesse relacionamento. Aí fica chato. E fico então tão entediada porque já esgotei todas as possibilidades de me agradar.
Eu deveria ter comprado um livro. Pelo menos me distrairia um pouco...
Gosto muito de ler. Quer me ver feliz é me dar um livro de presente. Mas livro bom, por favor! Tenha misericórdia!
Olha, até bolei um versinho:

"Rosas são vermelhas,
Violetas são azuis,
O açúcar é doce
E isso aqui não vai rimar..."

E agora estou cantando uma música que eu gosto. Canto mal. Mas tô sozinha.
Estou com vergonha de mim mesma de tentar me animar de um jeito tão imbecil...
Por que eu tenho que me prestar a isso?
Não é que eu não tenha nada para fazer, eu tenho é muita coisa pra fazer. Todavia, não estou afim de executar nenhuma delas. Sim, sou discípula do pecado da protelação.
E preguiçosa ao extremo com coisas que não me agradam. Essa regra vale para pessoas também.
Quanto menos se faz, menos se quer fazer. E assim infinitamente.
Começou a chover.
Continuo a me perguntar o porquê das coisas.
Quanto mais eu tento encontrar as respostas proporcionalmente mais me enrolo nas perguntas. Quanto mais chafurdo nas respostas, mais me enlameio nas perguntas.
Péssima. Ponto.
Só sei que nada sei.
Sei de uma coisa interessante e quero compartilhar. As pessoas adoram dar pitaco na sua vida. Numa mistura de alerta e intimidação. Não na mesma proporção, obviamente. E elas gostam de dar opiniões principalmente quando você não as pede.
Quase uma lei da Física isso!
Não sei nada de Física, melhor ficar quieta... Não sei nada de Física, nunca saberei nada de Física, a parte isso tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Tenho muitos sonhos. Grande parte deles de grande dificuldade de realização, mas eu não deixo de acreditar não.
Esse é o problema. Eu absolutamente não consigo perder a esperança. Já tentei muitas vezes. Mas não consigo. Ela fica agarrada em mim. Fico sofrendo com a Ilusão.
Tenho até esperança de o Tédio acabar um dia nesse planeta e todos sermos felizes infinitamente com muitas coisas deleitosas e cheias de cor. Um mundo em que o tempo passe num devido equilíbrio... E que não se sofra de insônia. Nem de ansiedade. Nem de preguiça.
Ainda estou sem sono.
Desculpe se te entediei. Vou tentar me redimir!
Já que estamos falando de deleite, vá tomar um Toddy.
Tu-rum-tss!
Não, não é um trocadilho. Ai, por favor, eu sou melhor que isso!
Mas ficou engraçadinho, admita. Dei até uma risadinha com a coincidência...
Mas olha, dizem que Toddy faz passar o Tédio. Cura.
Mas não posso confirmar a informação.
Não gosto de Toddy.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

O Lar

-Mãe, a gente é rico?
-Não filha, a gente é louco.
-Mãe, por que a gente é louco?
-Porque a gente ainda acredita no Amor nesse mundo do jeito que tá...
-E tem problema ser louco, mãe?
-Claro que não, filha. É até melhor...

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A pedra, o caminho e coisa e tal

Havia uma pedra no meio do caminho.
No meio do caminho havia uma pedra.

Parei.

Olhei.
Ela não se moveu.

E então continuei meu caminho.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

A Eugênia

Eugênia não brinca em serviço não.
Eugênia sempre levanta logo que o despertador toca pela primeira vez. Alonga o pescoço e as pernas. E já se põe de pé. Arruma a cama logo em seguida.
Toma banho, toma o chá com mel, escova os dentes.
Sempre sabe que roupa vai colocar. Eugênia não é indecisa. Quando resolve não volta atrás e não admite ter que fazer isso quando necessário.
Eugênia sai de salto pela rua e não vira o pé. Não se machuca nem tem dores nos joelhos no final do dia. Caminha à passos largos e leves. Faça calor, faça frio. Chuva ou Sol.
Deseja "bom dia" para todos que encontra no corredor. E é um "bom dia" daqueles sinceros. Raridade!
Eugênia é constante. Não se abala por besteira. É equilibrada.
Fala pouco. Ouve mais do que fala.
Analisa antes de falar. Só abre a boca quando tem certeza absoluta.
Eugênia é inteligente além de esperta.
Eugênia é bonita além de inteligente e esperta.
Seu cabelo está sempre penteado, suas roupas sempre engomadas, os sapatos sempre lustrosos.
Não se deixa levar pelas emoções.
Eugênia só se emociona quando vai ao teatro. Ou ao cinema. Isso normalmente às sextas-feiras.
Eugênia quase voa!
Eugênia quer, Eugênia faz. É um trator. Quando quer descansar, vai carregar pedras. Escreve o relatório, a pauta, datilografa a carta, monta a planilha.
Disciplinada.
Chega o fim do dia e Eugênia não está cansada. Depois de um dia louco de trabalho, ela ainda sorri. Não tem dor nos pés, nem nas costas. Senta sempre na postura correta.
Volta pra casa. Sobe todos os oito lances de escada porque é mais saudável que o elevador, certamente.
Troca o salto por um chinelo confortável, não anda descalça no piso frio da sala.
Faz sua própria comida, com vegetais frescos. Sem agrotóxicos, todos orgânicos.
Mastiga em média trinta vezes antes de engolir.
Lava a louça em seguida. Pois é.
Admirável. Assiste ao Jornal Nacional. Toma outro banho rápido e veste a camisola de seda fresca.
Lê algumas páginas de um bom livro antes de se deitar.
Deita e dorme sem demora. Dorme sempre bem e nunca tem pesadelos. Insônia nem sabe do que se trata.
Eugênia dorme de sutiã.

Pergunto-me como ela consegue.

Eugênia, em que mundo você vive?
Seu reino não deste mundo, não é, Eugênia?

Porque, sinceramente, dormir de sutiã é impossível!

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Uma nova proposição sobre o sentido da vida:

A vida não tem sentido nenhum.

Só nos resta mesmo, Manuel, tocar um tango argentino.

Com sua licença

Oi, dá licença?
Posso ir entrando na sua vida?
Não se preocupe, eu não vou reparar na bagunça não...
A minha também não anda "aquelas coisa" não...
Prometo que não vou atrapalhar.
Não trago muitas coisas na minha mala:
Quatro camisas xadrez,
Uma calça jeans,
Uma saia preta,
Um par de tênis e um de chinelo,
Muitos sonhos
E minha escova de dentes.
Eu não sou impertinente, não gosto de discutir.
Não bebo. Não fumo.
Não sou de fazer barulho.
E também choro bem baixinho. À noite, antes de dormir, de preferência.
Gosto de ouvir música.
Gosto de escrever poesia.
Gosto de bater a porta quando estou com raiva.

Mas, olha, não se preocupe.
Eu não quero ser incômodo.
Pode deixar que eu me viro. Sou de casa.
Só me diga onde você quer que eu guarde os copos
E onde eu devo jogar os cacos.

No armário eu só preciso de um espacinho.
Para as camisas e para os sonhos.

Gosto de deixar bilhetinho dizendo pra onde eu fui
Quando eu saio e você ainda dorme
No domingo de manhã.
Nem sou de acordar cedo.


Deus lhe pague por enquanto.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Metafísica

Muitas vezes eu me pergunto como seria a vida se eu não existisse.
Passo bastante do meu tempo tentando imaginar essa situação. Gosto de imaginar como as coisas decorreriam sem mim. Como seria se eu não tivesse arrancado aquela flor do pé? O que seria daquela pedrinha que eu chutei se eu não a tivesse chutado? Gosto de pensar em todas as minhas ações e intervenções nas atitudes dos outros. E tudo isso se eu não existisse. Que rumo as coisas teriam tomado? E todo o caos que isso poderia ter sido causado sem a minha existência. Ou até mesmo toda a paz...
Quantos destinos eu mudaria sem a minha exisência?
Se nem uma partícula de mim estivesse aqui, o que seria da Humanidade?
Mas não me refiro apenas ao fato de ter nascido e estar vivendo. Gosto ainda de ir mais profundamente. O que seria do Universo sem a energia que me move?
Então questiono-me: serei eu essencial?
Como se comportariam as pessoas que me rodeiam se eu não as rodeasse?
Há um certo estalo em mim toda vez que tento entender o porquê de eu existir.
Haverá um momento marcado na minha vida em que eu, sendo marcada, vou marcar o destino de alguém? Quem?
E se eu não existisse?
Isso me mostra o quanto estamos interligados. Um ato meu afetaria um. E a consequência desse ato para esse um afetaria ele e outro. E esse outro afetaria ainda um outro por conta do que eu fiz.
Se eu não existisse nada disso aconteceria. Seja lá o que isso for...
Não é possível ser inconsequente.
O que quer que eu faça, direta ou indiretamente mudará o Destino.
O que quer que alguém faça mudará meu destino.
Não existe liberdade. Existem sim, escolhas. Liberdade de escolhas.
A pedra que rolou. A flor que eu roubei.
No fim, não consigo imaginar como tudo agiria se eu não estivesse aqui. Nada teria acontecido. As coisas tomariam outro rumo naturalmente e ponto. Certamente que seriam plenamente diferentes, mas estariam perfeitamente alinhadas de acordo com sua necessidade.
É interessante imaginar a inexistência existindo. Cria-se um vácuo. Um medo.
O Medo é a Inexistência. Eu tenho medo de deixar de existir. Tenho mesmo.
E então finalmente compreendo que o problema não é a inexistência. Não são os caminhos que poderiam ser tomados.
Mas sim os que estão sendo tomados.
Pensar é um ato, existir é um fato. Penso e logo existo.
O problema é esse então. Existir.
Existir é uma coisa muito séria.

domingo, 8 de janeiro de 2012

O paradoxo do começo da vida

Sinto que as coisas dependem de mim para acontecer.
Mas eu não sei o que fazer com elas.
Eu, na verdade, não sei nem o que fazer comigo.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

O susto do sonho

Às vezes um sonho é construído com tanto carinho, idealizado com tanta alegria e esmero, tão desejado e mesmo assim distante (entretanto jamais desacreditado), que, quando ele está prestes a se realizar, a gente até assusta!

Quando ele se realiza, a gente até esquece que ele tinha que se realizar, de tão bom que ele era de ser sonhado...
Tanto sonhamos com o sonho que esquecemos de sua realização...

Porque o que nos alimenta e nos dá sentido a vida não é sua realização, mas sim o sonho sonhado.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Paraíso

Fecho os olhos.
Começo a procurar.
Eu não sei o que é. Nem como. Nem quando.
Tenho colocado todas as minhas expectativas na falta delas.
Espero um mundo diferente, sonho sempre com algo que acredito ser um certo tipo de paraíso, mas não tenho certeza sobre isso.
Eu apenas fecho meus olhos.
Tento imaginar.
Não consigo nem imaginar.
Procuro mais. Tenho medo, tenho coragem. Quero e num estalo de consciência já não quero mais.
Eu não sei o que quero. Não sei o que fazer comigo.
Abro os olhos.
Não sei como encarar a realidade. Ela não parece ser tão real assim.
Ela sempre pareceu tão distante de mim...
Estou com medo de não estar mais conseguindo sonhar. Porque, veja, isso nunca me aconteceu antes.
Abro os olhos e nada vejo.
Estou tão distante de tudo. Estou a apenas um passo de tudo aquilo que... Que sonhei?
Em que momento do sonho eu me tornei o pior dos meus pesadelos?


Transformei o paraíso em inferno?


Abro os olhos e percebo que transformei foi o inferno em paraíso.


Fecho os olhos e percebo que o paraíso não existe. Por enquanto.
Por enquanto...
Percebo que eu não existo.
Mas é mentira. Eu existo. Sendo assim, existe o inferno e o paraíso, cada um com sua beleza particular. Belíssimos estados de uma consciência elevada e abaixada, não necessariamente nessa ordem, ela varia de acordo com a estação.

Eles existem em mim.